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Lou Reed, a credibilidade do jornalismo e o destempero da exclusividade

Por Maurício Angelo

Quando a Rolling Stone anunciou, ontem, por volta de 1 da tarde, que Lou Reed havia morrido, boa parte do mundo não acreditou. Afinal, só a revista confirmava aquela informação. Rapidamente, jornalistas de toda parte trataram de buscar suas próprias fontes. O agente do artista confirmou para o The Guardian. No meio tempo, a internet especulava. Morreu mesmo, não morreu? Confirma, não confirma? Entre lamúrias precoces, mensagens de despedida e toda sorte de sentimentos que costumam surgir quando um ídolo morre, começaram a especular sobre a “credibilidade” do jornalismo.

O fato de todo mundo duvidar da informação exclusiva da Rolling Stone seria um sintoma da falta de crédito que o jornalismo atual tem. Um símbolo da crise de confiança que a mídia mundial vive com o público. Na verdade, o descrédito não diz nada do “estado” ou não do jornalismo. Parafraseando aquela sentença clássica: é a internet, estúpido!

Em tempos de redes sociais e milhões de pessoas interagindo em tempo real, o público se acostumou a duvidar de quase tudo. Os eternos “hoax”, histórias inventadas quase todos os dias, especialmente sobre celebridades, ou simplesmente golpes virtuais, barrigadas da imprensa, deslizes, tudo passa por um escrutínio instantâneo e inevitável. Em caso de mortes de pessoas famosas, mais ainda. Todos os dias alguém é “falsamente morto” na internet. Se o jornalismo paga um preço mínimo por isso, certamente não é culpa dele.

Na outra ponta, e como sempre acontece em casos do tipo, fãs se apressaram a “ficar surpresos” com “a quantidade de pessoas” na timeline que manifestaram algum pesar, admiração, lembrança (etc) por Lou Reed. “Nossa, mas eu não sabia que tinha tanto fã de Lou Reed aqui assim”. “Nossa, agora todo mundo é fã do cara”. “Gente que nunca vi falar nada sobre Lou agora lamenta sua morte”. Troque Lou Reed por qualquer artista razoavelmente famoso e o ciclo se repete. Os mesmos comentários podem ser lidos em todos os casos do tipo.

Parece aquela velha ilusão de exclusividade, em que o artista X significa mais pra mim que para o outro, em que a “minha relação” com o ídolo Y é mais válida que a do colega do lado. Aquela coisa de fã xiita, hardcore, incapaz de entender minimamente não só o impacto de um trabalho tão vasto quanto o alcance que um ídolo pop tem. Ainda que seja um ídolo como Lou, com status de “underground”, “maldito”, “príncipe da escuridão”, “cult”, “alternativo” e outras bobagens mais. Como se fôssemos obrigados a falar, sempre, de todos os artistas que gostamos para termos o direito de manifestar qualquer coisa sobre eles.

Lou Reed viveu muito. Produziu muito. Como tantos outros que ainda estão por aí, ninguém imaginava que chegaria tão longe. Desnecessário falar sobre a sua influência e a do Velvet Underground. Seu “experimentalismo”, sua “ousadia”, as letras, o estilo, a música. Neste momento, milhares de obituários prontos, comentários de prateleira e rankings dos grandes momentos de Lou Reed podem ser achados com enorme facilidade na imprensa nacional e estrangeira.

Não há dúvidas que perdemos um dos mais relevantes nomes da história da cultura pop do século XX. Como sempre, fica a obra, que é o que importa.

httpv://www.youtube.com/watch?v=5SeVvf1x_AQ

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Mundo