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A máquina retrô da sólida estreia de Mahmundi

Para conseguir apreciar este primeiro álbum cheio da cantora e multi-instrumentista carioca Mahmundi é preciso se despir de alguns preconceitos (ou implicâncias, se preferir): se você está disposto a pedir um campari com laranja no bar e entrar num clima de sub-cabaré com efeitos de teclado de músicos de bistrô decadente com aspirações maiores, pode ser uma boa aventura. Ter alguma inclinação ao cancioneiro carioca dos anos 80 também ajuda: dá-lhe uma lembrança de Marina Lima aqui, um Cláudio Zoli acolá, um Kid Abelha meio perdido e por aí afora.

Se não parece animador, garanto que é. Mahmundi tem talento e não se limita a emular. Ainda que músicas como “Eterno Verão”, “Azul” e “Hit” pudessem tranquilamente ter sido lançadas em 1985, há algo aqui que se sobressai da média: talvez pelo simples fato que existem poucas artistas com essa pegada conseguindo colocar seu trabalho na rua com a qualidade necessária.

Ex-técnica de som do Circo Voador, Mahmundi produziu quase que inteiramente sozinha o disco, contando com as valorosas contribuições de Kassin e Carlos Eduardo Miranda, eminências pardas do circuito independente e Bel Hammes nas vozes. Sobressai uma palavrinha mágica que a maioria dos críticos gosta de recorrer: “maturidade”.

As 10 faixas mostram bem isso: tudo bem redondinho, bem produzido, pecando pouco pelo excesso, com truques eletrônicos aqui e ali pra cativar a audiência e um instrumental que segue bem a cartilha, no fim. Mas Mahmundi já beira os 30 anos e sua idade e sua experiência prévia ajudam a pular erros comuns que artistas iniciantes cometem, por crueza ou falta de estrada.

Essa fusão da escola oitentista (seja no pop, na mpb ou na black music) varia entre temperos mais plácidos, a exemplo de “Quase Sempre” e mais acelerados, prontos pra pista, como “Calor do Amor”. Há um romantismo piegas nas letras e a sonoridade geral não é nada que vá chamar atenção de quem conhece a fundo o riscado, mas “Mahmundi”, o disco, deixa um sabor na boca de drink barato que você não consegue ir embora antes de tomar outro.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews Reviews de Cds