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Mastodon: confirmando a mudança de rumo

Lembro perfeitamente, quando, 10 anos atrás, o Mastodon lançou “Leviathan”. O disco foi celebrado e recebido como uma das melhores coisas que o metal havia produzido em bastante tempo, a quebra definitiva da entressafra – digamos assim – que a segunda metade dos anos 90 representou, após o auge entre 80-93.

Com tanta banda respeitada vivendo seus piores momentos e o gênero encarando (ainda) o rescaldo do new metal, execrado por boa parte dos fãs hardcore, o Mastodon conseguiu devolver ao metal o status de música bem realizada, pensada e formulada não só em tributo ao passado ou, no outro extremo, abraçando tendências duvidosas.

“Leviathan”, levemente baseado no clássico “Moby Dick”, de Hermann Melville, recebeu considerável atenção da crítica não-especializada e fundiu, como nenhum outro, o sludge, stoner e o metal tradicional erguido pelo Black Sabbath com o progressivo e o hardcore em si, soando moderno com fluidez, técnica e capacidade pouquíssimo vista na época. Estava ali um novo marco histórico do metal.

Desde então, o Mastodon tornou-se a banda mais respeitada do estilo nos anos 00, com cada lançamento sendo meticulosamente analisado pelos fãs e mídia. Vieram “Blood Mountain”, em 2006 e “Crack The Skye”, em 2009, igualmente aclamados e sem modificar o estilo, sempre inovador dentro dos limites estabelecidos.

“The Hunter”, de 2011, acenou com um som mais “acessível”, mais “limpo” e menos “intrincado”, flertando com o mainstream e canções mais fáceis do cidadão comum entender, ainda que o Mastodon jamais tenha perdido o punch, o cuidado com a construção minuciosa das suas estruturas. O resultado foi o 10º lugar no chart da Billboard, superando o já ótimo resultado do antecessor, que alcançou o 32º posto.

httpv://www.youtube.com/watch?v=SDjSDnMxFME

“Once More ‘Round The Sun” é o Mastodon não deixando dúvidas sobre sua nova postura. Saem definitivamente os vocais gritados e rasgados de outrora, entram linhas bem melodiosas e limpas, com refrães bem estabelecidos, quase no estilo “sing-along-song”, caso desde a (ótima) abertura com “Tread Lightly”.

Não dá pra dizer que estamos diante de outra banda, já que a ruptura não é tão brusca assim, porém significativa. “The Motherload” coloca um pezinho no metal alternativo e em coisas como o post-hardcore. Mas aí vem um solo lindíssimo no fim e a base é tão intrincada, que parece mais correto colocar essa nova face do Mastodon – por mais estranho que possa parecer – com lembranças do hard rock/heavy psych mais “underground” dos anos 70/80.

Soa como se Troy Sanders (baixo, vocal), Brent Hinds (guitarra, vocal), Bill Kelliher (guitarra), Brann Dailor (bateria), a mesma formação desde o primeiro disco, outro elemento essencial para a construção da carreira da banda, andaram ouvindo muito Atomic Rooster, Thin Lizzy, Budgie, Buffallo, Grand Funk Railroad, T-Rex, Slade, bebendo na New Wave Of British Heavy Metal e por aí afora.

“High Road”, uma das melhores do do disco, evidencia isso. Tudo muito acelerado e com o pé embaixo, como comprova “Chimes At Midnight”. Infelizmente, a segunda parte não mantém o mesmo nível da primeira. “Asleep In The Deep” parece requentada, repetindo harmonias que o próprio disco acaba de nos apresentar, assim como “Feast Your Eyes” e “Halloween” não ajudam muito. O final, com os oito minutos de “Diamond In The Witch House” eleva a média geral, encerrando um bom disco, porém claramente abaixo do que já fizeram.

A produção de Nick Raskulinecz, conhecido especialmente por seu trabalho com o Foo Fighters na última década – e depois de Rush a Evanescence, Alice In Chains e Deftones – também influencia, puxando a qualidade do material pra baixo. Distorções saturadas demais, riffs repetitivos e os vocais previsíveis completam o serviço.

Talvez tenhamos sido generosos demais com o Mastodon na última década. Talvez a banda não encontrou ainda o ponto ideal do que quer com a guinada de “The Hunter”. Longe de ser um desastre (daria um 3.5/5, por exemplo), “Once More ‘Round the Sun” pode ser um passo importante para que o grupo finalmente consiga encontrar a sintonia perfeita entre o metal intrincado dos primeiros álbuns e o novo posicionamento.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Cds