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“Blonde” é o disco que a geração snapchat merece (e isto é má notícia)

Cá estamos. Quatro anos depois de “channel ORANGE”, que catapultou Frank Ocean de mais um membro do coletivo OFWGKTA, saindo do ouvido de poucos que tinham curtido a sua boa mixtape “Nostalgia, Ultra” para o relativo estrelato mundial. A máquina do hype funcionou bem e com razão. “channel ORANGE” mereceu a ovação que recebeu (escrevemos sobre ele na época, aqui).

E desde então Frank Ocean tornou-se A CARA da geração internet. Aquele cheirinho inevitável de atenção desmedida para cada bobagem que faz ou deixa de fazer. A histeria encarnada nas redes sociais. Um artista que conseguiu fazer da sua demorada ausência seu principal trunfo de marketing. Quatro anos é uma eternidade para esta turma. O Snapchat, altar dos millennials, foi lançado quatro anos atrás poucos meses antes do estouro de Ocean. O casamento perfeito de “trajetórias” que cresceram juntas.

E é assim que “Blonde” fede a meme. Dos inúmeros prazos dados e ultrapassados, das mudanças de nome que se transformaram em um pacote de lançamentos gritando desesperadamente para ditar tendências (“Boys Don’t Cry”, “Endless”), da capa do disco, dos posts de Ocean em seu tumblr e por aí adiante. O que pode ser mais forçado que lançar um “visual album”, uma revista com diferentes capas com direito a um “”””poema”””” de Kanye West sobre o – risos –  Mc’Donalds, uma das coisas mais ridículas que esse mundo já produziu? São essas armadilhas pega trouxa, esse típico clickbait dos piores que afunda “Blonde” em seus excessos e sua mediocridade.

Da abertura de “Nikes”, uma música que caberia perfeitamente em um disco do Akon, passando pelas típicas vinhetas “provocativas sonolentas”, caso de “Be Yourself” que abre a preguiçosa “Solo”, o disco se arrasta absurdamente em sua necessidade de entregar um testamento para a geração meme. Se arrasta e se afunda na produção exageradíssima, na ambição artística no mínimo questionável de Ocean, nas trocentas “camadas” que gosta de enfiar em cada canção, nas repetições insuportáveis, na falta de imaginação, nas dezenas de convidados para fazer número, nos samplers supostamente espertíssimos até as listas de músicas e filmes preferidos divulgadas por Ocean para mostrar o quanto é sabichão e o quanto conhece.

Nem tudo é desastre, obviamente, “Pink + White”, a bossa modernê de “Self Control” e “White Ferrari” se salvam claramente entre o resto. Pouquíssimo para um disco de 60 minutos cheio de vinhetas, interlúdios e o diabo. Algo que Frank sempre fez, é verdade, mas que aqui simplesmente piora bem a qualidade da experiência, somado com a música abaixo do que já fez e “over” até cansar.

“Blonde” é sobre “causar impacto” antes da música, é sobre entregar um “happening”, dezenas de detalhes e material circulando na rede para manter os fãs ocupados por meses e meses. Compreensível para quem é o garoto pôster da geração Snapchat, empalidecendo até bandeiras importantes que Ocean já levantou, como o importante fato de se assumir homossexual num meio tão brutalmente machista e homofóbico como o rap. Algo que, creio, seu papel natural de destaque será mantido pela androginia típica da sua abordagem (o vídeo de “Nikes” e parte do material do zine e de “Endless” estão aí para comprovar isso).

Numa época em que tudo vale a pena para tentar chamar a atenção do ouvinte, cada artimanha já parece caduca de antemão. Soltar álbuns “de surpresa” é uma delas: artifício batido usado por muita, muita gente do mainstream nos últimos 10 anos. A se ressaltar a sua esperta rasteira na Def Jam para lançar “Blonde” de forma independente.

Mas o que Ocean quis entregar é uma “instalação”: uma obra multifacetada que pode ser acessada em diversas frentes e comentada em todos os canais para que os fãs se refestelem em cada detalhe, cada pista deixada aqui e acolá. Há quem compre, claro, e não são poucos.

Eu entendo o que você está fazendo, Frank. E respeito sua tentativa. Mas, nessa brincadeira, a música não é boa o suficiente para sustentar os penduricalhos. Melhor sorte na próxima vez.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds