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Em “Science Fiction”, o Brand New celebra a decadência em ótima forma

Não é surpresa alguma que o melhor disco de rock alternativo do ano venha de um grupo que, cerrado em suas idiossincrasias, construiu uma discografia sólida e influente. 8 anos após “Daisy”, o Brand New chega ao quinto e possivelmente último disco entregando um verdadeiro tratado sobre a decadência da meia idade, o clichê irresistível, o destino inescapável de uma das bandas chave dos anos 00. “Every night you were tripping out / In the morning you were coming down / If it’s breaking your heart, if nothing is fun / Don’t lose hope, my son / This is the last one” canta Jesse Lacey no refrão da ótima “Waste”. 

É este cansaço, esse enfado bem fundamentado, esse remorso elevado ao status da arte que permeia um álbum repleto de excelentes riffs, refrães memoráveis, estruturas incomuns e acima da média para uma banda que nunca teve vergonha de revirar o próprio lixo, de assumir as próprias fraquezas, de se revelar vulnerável na frente do espelho. Duvida? Ouça “Lit Me Up”, “Same Logic / Teeth”, “Desert”, “Can’t Get It Out” ou “451”, cinco pepitas extraídas com as próprias unhas sujas de tentativa e erro.

Em “Science Fiction”, há sempre aquela certeza de que tudo vai mal, tá todo mundo meio derrubado e as coisas, amigo, não indicam que vão melhorar. Mas, longe da auto-indulgência, Lacey, Tierney, Lane e Accardi tecem um rock maduro e muitíssimo bem trabalhado dentro do universo que criaram: a segunda metade de “137” é didática em mostrar isso. Temos aqui um balaio redondo e burilado por quase uma década de alt rock, post hardcore, noise, pop, emo e grunge.

É neste cheiro de distopia mais real do que nunca, neste clima de déja vu pós-crise, dessa decadência física, mental e sexual que emerge 1 hora de música honesta e com alto nível de replay, uma qualidade cada vez mais rara. “Science Fiction” pede muitas audições não porque ambiciona ser complexo demais, mas justamente porque sabe o que quer e o que é do início ao fim. Se esta for mesmo a despedida do Brand New, será um ótimo exemplo de quem sabe sair dos holofotes no auge. 

 

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds