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Otto: “minha música tá só começando”

Surgido tortuosamente no seio do movimento mangue-beat (como percussionista do Mundo Livre S/A e outras frentes) Otto sempre foi filho estranho daquele riscado. Logo caindo em carreira solo, seus três discos iniciais tiveram recepção diversa. “Samba Pra Burro”, de 98, foi saudado como inovador e coberto de elogios (dando origem também ao disco de remixes “Changez Tout”). “Condom Black” de 2001 colocou algumas nuvens negras no caminho e “Sem Gravidade”, de 2003, teve avaliação morna. Depois de um “MTV Apresenta” ao vivo em 2005 e várias tragédias pessoais posteriores, 4 anos se passaram até que “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos” fosse lançado.

Recebido com entusiasmo e de forma unânime, “Certa Manhã” trouxe fãs de volta e conquistou muita gente que torcia o nariz para ele. Se na minha resenha do álbum citei Otto como um “Jackson Pollock” musical, nada ainda parecido com o que ele anuncia em primeira mão nesta entrevista: “The Moon 1111”, o  próximo disco, a fundir Fela Kuti, Coltrane, The Wall, samba, baião, Erasmo Carlos e o que vier, previsto para 11/11/2011.

O recolhimento, o processo de criação de “Certa Manhã”, a pungência da obra, as parcerias fundamentais, o que importa e interessa para Otto e o que vem por aí foi o que o pernambucano nos contou nesta entrevista exclusiva sempre com sua fala intensa e sua paixão desmedida pelo que faz.  Virtude rara e necessária.

Movin’ Up – Na crítica do disco, cito que a dor – seja de que natureza for – costuma ser a maior propulsora artística do mundo, desde sempre. Ela costuma passar pela negação, desespero, aceitação e reconstrução por quem a sente, vive. Foi nessa toada que “Certa Amanhã Acordei de Sonhos Intranquilos” foi feito?

Otto – Ele foi feito diante das minhas questões pessoais…meu desequilibrio tem natureza pensante. De clareza, ele amarga  a verdade. Minha forma de interagir com o mundo. A  não aceitação dos fatos que se apresentam. O saber dói tanto que  é prazer. Só sei que pra mim este disco foi lúcido, inteiro! O que estou sentindo, como estou digerindo a vida.

Movin’ Up – O disco obteve recepção positiva quase unânime e calorosa em todos os cantos do país, inclusive por gente que não tinha muito conhecimento da sua obra. Algo até então incomum na sua carreira. Como está recebendo e lidando com isso?

Otto – Meus discos geralmente são aceitos como uma comida exótica.  Trazem frescura e indignação. Sei que a minha vontade de experimentar e aprender não cessa. Sou um cara que cria sangrando. Realmente existe uma entrega à arte. Muita gente talvez ache isso que digo um insulto. Mas existe magia, equilibrio e harmonia. Adoro dançar, cantar, responder, pensar, fazer a gira girar. Minha música tá só começando. Minha energia não acaba nunca.

Movin’ Up – A sonoridade parece encontrar eco em gente das mais variadas formações. Um amigo jornalista, especialista em metal, alguém que dificilmente imaginava que fosse ouvir, me disse que seguiu meu conselho e adorou. Como você vê essa capacidade de penetrar em ouvidos tão díspares. Seria esse um dos principais retornos que um artista pode receber?

Otto – Cara, existe um cara de 41 anos que já passou por muita coisa. Em música desde que nasci não parei de encontrar democracia. Vim de um interior onde comia bode, bebia cana e ouvia rock, forró, mpb, iêiêiê, brega, Elvis, Bob Marley e na minha banda meu nome é Ozzi, Ozzi music (risos).

Movin’ Up – Fernando Catatau, um dos poucos guitarristas que considero ter criado forte indentidade própria no Brasil na última década, imprime sua verve com força. Como foi o trabalho e a lapidação das ideias com ele nesse disco em especial?

Otto: Catatau sem dúvida tornou-se um dos maiores colaboradores na minha música. Ele realmente é um cara completo. Compõe, escreve, toca, arranja e desenha suas coisas. E ainda é um excelente profissional e um grande amigo, parceiro. Genial.

Movin’ Up – A obra parece exalar um magnetismo sonoro e lírico ímpar. Desde a primeira audição, ouvi “Certa Manhã” continuamente, várias e várias vezes. E sigo a ouvir. Coisa que raramente ocorre. E relatos semelhantes vem de amigos. A que você atribuiria isto?

Otto: Acho que devo isto a esta música que busco. Livre. Cheia de abismos onde temos que se jogar. Esta música que divido com meu irmão Pupillo (da Nação Zumbi, também produtor e colaborador). Converso com Pupillo todo o processo. Música a música criamos com esmero. Ele conhece meu sistema e me deixa tranquilo. Nos entendemos  fácil. Temos uma bagagem parecida. Gravamos sintonizados. Uma alquimia. Tenho percussão na veia. E nada como um parceiro do quilate de Pupa. Ele produz a batida, o suingue e eu me sinto livre e vou. Cassando a melodia, não tenho como errar. Sai rima e poesia, sorrindo.

Movin’ Up – Os temas de “Certa Amanhã” são predominantemente fortes, pungentes, reflexivos. As letras deste álbum tiveram parto especialmente difícil ou pelo contrário, surgiram como num expurgo? E de que maneira exata os labirintos kafkianos influenciaram o trabalho?

Otto: Amigo, um dia achei que não queria viver daquele jeito que eu vivia, quis ser cantor, músico. Sonhei com tudo isso que tenho hoje. Aí sim você acorda mergulhado em angústia e incompreensão. Achei um mundo maravilhoso e duro. Raivoso. A musica me transformou no que sou. Sou um pai. Quero ser forte, tenho um longo caminho até respirar tranquilo. Transmutarei mais. Dividirei sentimentos. Este disco conta tim tim por tim tim. A doce e dura convivencia com o tempo. É um reflexo dos tempos. Sou cantor pra isso. Pra expurgar as loucuras. Pra enxergar os caminhos. Pra tocar no coração. Vejo a dor e amacio ela…amo meu público. Podes crer.

Movin´Up – Como foi o convite, a escolha da faixa e harmonização vocal com Céu e Julieta Venegas, duas vozes que acabam adicionando muitas matizes a mais no resultado final?

Otto: Elas são pessoas elegantérrimas que gostam muito da minha música. Tenho muita sorte de tê-las no meu caminho. O mais bacana desta profissão é que cada trabalho ficamos mais agradecidos e parceiros. São lindas, encantadoras, verdadeiras estrelas.

Movin’ Up – Qual o conceito da instalação de Tunga, na capa do álbum e como ela se relaciona com o conteúdo?

Otto: Tunga tem a genialidade de formar na sua obra um cenário duro contemporâneo. Mas extremamente humano e atual. Afinado com os tempos. Somos animais metamorfoseados. Anjos caídos. Almas que por ciclos morrem e renascem. Tunga descreve o fim e o começo. Este disco também tenta. Kafka e Tunga descrevem isso claramente: visão.

Movin’ Up – Não por acaso, “Certa Manhã” soa como seu trabalho mais maduro e inspirado, em todos os sentidos. O mais orgânico, mais humano. Você já anunciou que pretende lançar o próximo em breve, mais experimental. Dá pra adiantar alguma coisa a mais dele? E como você imagina que a turnê de “Certa Manhã” vai influenciá-lo? Como tem sido?

Otto: Depois de tanto tempo esperando para lançar o “Certa Manhã”, comecei meu processo do próximo:  THE MOON 1111. Este eu posso adiantar a ideia básica: Nana Vasconcelos e Pupillo, produzindo o som e o disco.

Um pouco de Fela (Kuti, nigeriano, pai do “afrobeat”), um pouco de Coltrane , um pouco de afro jazz, latin jazz. Um pouco de The Wall (disco do Pink Floyd). Risos. Uma regravação de Erasmo Carlos. Juntar isso ao samba e o baião. Um disco mais experimental, melodioso e “sinfônico”. Deu pra entender? Mais dele em 11/11/2011.

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Published in Destaques Entrevistas