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Lollapalooza, jornalismo musical, chorume e equívocos

Foto: Omelete

A turminha está em transe. Pela bilionésima vez um festival de grande porte desperta uma avalanche de comentários, muito chorume e um show pirotécnico de equívocos. É dedo no olho, cuspida na cara e nego esperneando pra tentar aparecer.

Desde que grandes festivais passaram a ser transmitidos em tempo real na televisão, especialmente nos últimos anos e geralmente no Multishow, surgiram duas figuras tradicionais: o jovem topa tudo que vai naquela onda “aqui é rock, mermão, é tudo desgracento mesmo, issaqui não é a praça de alimentação do shopping” e o coroa já cansado de se ferrar nos shows da vida que vê tudo da televisão e desce o pau geral. E aí entramos em algumas questões.

Preço: sim, o preço médio dos ingressos no Brasil disparou absurdamente nos últimos anos. Sim, é muito além do que a média da população pode pagar. É abusivo se comparado com a média dos preços em qualquer lugar do mundo. Os produtores não são coitadinhos que “fazem milagre” pra fazer o show acontecer e “ter um pouquinho de lucro”. Os preços aumentaram abusivamente e a estrutura e a qualidade do espétaculo – péssimas – continou a mesma.

Meia entrada: colabora realmente para os espertalhões do público darem o seu jeitinho e é uma das causas dos produtores dobrarem o preço esperando ganhar na “meia” o que seria o preço total real. Mas também se aproveitam disso. E aí o público que ousa ser honesto – o adulto profissional liberal que não é estudante nem idoso – se fode pagando a inteira e se sentindo um tanto otário com isso. Nem preciso mencionar a tal “taxa de conveniência” que muitos gostam de cobrar.

Música é negócio: ainda existe gente que acha que “música não é negócio”. Risos. É, sim, sempre foi. Dos grandes. É trabalho, é mercado, dinheiro. A aura de ser “arte”, de ser um comércio diferente de vender um pastel ou uma mesa, não a coloca em outro patamar. É um tanto ridículo ter que lembrar disso mas parece necessário.

Estrutura e serviços: sendo negócio, espera-se que no caso de um festival, o público tenha um mínimo de tratamento decente para todo mundo. Não é porque “pagou caro” ou “barato”, é porque deveria ser regra. Normal. Esse fenômeno de ter um número de banheiros aceitável, pontos de venda de comida e bebida idem, que quem comprou seu ingresso consiga retirar na hora sem ter que esperar 2 ou 3 horas e assim por diante. “Ah, mas a organização resolveu isso tudo no segundo dia”. Patético, amigo. A “organização”, se não for absurdamente amadora, teria a obrigação de oferecer a estrutura mínima desde o primeiro segundo de festival. Houve tempo além do suficiente para isso. E é de se imaginar um preparo razoável de quem está produzindo algo dessa magnitude. Sem dizer que já fizeram o festival ano passado. E no mesmo lugar. E o Lollapalooza acontece há muitos anos em vários cantos por aí.

“Ah, mas sempre foi assim, lá fora inclusive”: “ai, no Woodstock – risos eternos – no Glastonbury, na pqp, sempre foi assim: muita lama, muita confusão, bla bla bla”. É mesmo, amiguinho? E o que menos de meia dúzia de exemplos, incluindo um festival que aconteceu há mais de 40 anos atrás, ou mesmo os atuais em condições e locais específicos, servem para justificar não a lama mas a estrutura precária de som e de serviços no Lolla ou em outro festival brasileiro? Pois é.

Serviço decente não é conforto em demasia: aprenda. Ser bem tratado não deve ser exceção. Não é mimimi.

Nada substitui a experiência real de um festival ou show solo: verdade. O que não significa que quem está assistindo pela TV não possa fazer o comentário que bem entender.

Jornalista credenciado e chapa branca: isso também é ridículo. Credenciamento não é favor, não é presente e não deve ser encarado como tal. (Óbvio) isso não deve influenciar no seu texto. (Óbvio) você não precisa “ser grato” e “aliviar” o que realmente aconteceu ou exaltar em demasia. Um relato razoavelmente equilibrado me parece o melhor caminho e o mais natural, além de mais interessante para o leitor. Seja em show ou em qualquer outro evento, etc.

À rigor, é isso. Um ótimo momento pra aprender a limpar a própria sujeira.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Grandes Ninharias