O sucesso devastador de Michel Teló fez emergir um velho hábito: a classe média que ama a música popular x a classe média que precisa fingir que odeia essa mesma música. Poderia traçar alguns paralelos óbvios dessa praga arraigada na cultura brasileira, mas este cara já fez isso, e muito bem. Recomendo bastante esse texto.
O óbvio ululante (e aparentemente paradoxal) que defendo no título desse artigo é este mesmo: a música sertaneja é o verdadeiro independente brasileiro. É ela parte considerável da nossa música popular, é dela que emergem milhares de duplas em cada esquina desse país (com uma ínfima parte alcançando o sucesso “mainstream”) e ela que arrasta multidões. Prefiro organizar em tópicos para mostrar melhor:
- O fato dos principais nomes do sertanejo serem contratados pelas majors após o sucesso que conquistam por conta própria não muda em nada a afirmação. Afinal, este é o modus operandi em todos os lugares do mundo. Banda independente conquista número razoável de fãs >>> começa a movimentar shows >>> chama atenção das grandes gravadoras >>> é contratada. É assim que funciona o seu querido “mercado independente” dos Estados Unidos ou do Reino Unido. É essa a trajetória que boa parte dos grupos que você ama seguiram. Exatamente a mesma de boa parte dos nomes sertanejos do Brasil.
- Michel Teló – e outros tantos – começaram como a maioria começa: literalmente independente, tocando em lugares pequenos, aquela coisa toda, até atingirem a fama por fatores diversos, misto de competência com administração, noção de como funciona o mercado, investimento, carisma, um tanto de sorte, etc. No caso dele, já antes no Grupo Tradição.
- Mas não existem os casos de sertanejos que contam com investimento pesado de conhecidos, esquemas de jabá e por aí afora? Claro, óbvio. Da mesma forma que existem em todos os outros estilos – e até mais.
- Assim como o rock e o pop são as “músicas do povo” no Reino Unido, no Brasil o sertanejo é que ocupa esse papel, acompanhado por outros estilos de maior ou menor evidência sazonais. É a força do interior – imensa maioria desse país – que consagra as duplas sertanejas, mantém sua agenda de shows, venda de CDS e DVD’S. E as capitais, abarrotadas de imigrantes dessas mesmas cidades, é apenas reflexo natural disso.
- Como já dito, das milhares de duplas e cantores/cantoras sertanejos que surgem todos os dias no Brasil, apenas pouquíssimos deles atingem o sucesso, exatamente como é no “indie”, no rock, no diabo a quatro.
- O sertanejos – e tantos outros ritmos verdadeiramente populares – além de contarem com a preferência de quem importa, se valem de esquemas de distribuição de discos e várias outras estratégias que atingem, de fato, a quem eles querem chegar.
- A mídia que domina a preferência do brasileiro e chega indiscriminadamente em todos os lugares do país – televisão e rádio – é o veículo de “autenticidade” dessa cultura (como se ela precisasse). Não é nas revistas, nos jornais ou na internet, veículos em que ainda grassam o velho rancor (risos) da classe média dita “intelectualizada”, com ilusão de “poder” e capaz de ditar os rumos de alguma coisa. Óbvio que, com o acesso à internet cada vez maior ano após ano, o quadro é muito mais diverso e nebuloso.
- Isso significa que o sertanejo e outros ritmos nunca precisaram da aprovação da “intelligentsia” e seus veículos oficiais porque tem outros muito mais poderosos ao seu alcance. Daí que é engraçado ver a reação dessas pessoas quando Teló aparece na capa de uma dessas revistas, a Época. Absolutamente patético.
- A alcunha de “universitário” que esses estilos ganharam nos últimos anos – e todo o sucesso que vem com ele – não aconteceu por acaso. A classe C se tornou maioria. Ou seja, exatamente a camada popular com voz ativa na economia e, por consequencia, na cultura. Esta Classe C, que representava 37% da população em 2003, passou a ser mais de 50% dos brasileiros em 2010.
- O número de pessoas na universidade cresceu 57% de 2002 para cá. Hoje temos 5,8 milhões de universitários. O perfil também mudou. Há oito anos esse público era formado por 25% de pessoas da classe A, 30% da classe B, 39% da classe C, 5% da classe D, e 1% da E. Hoje (dados de 2010), temos nas universidades, 7% de pessoas da classe A, 19% da classe B, 58% da classe C, 15% da classe D e 1% da classe E. (Época Negócios/24.11/2010).
- Entendeu como isso tem impacto direto na música popular travestida com a alcunha de “universitária”? É como se os “elitistas”, ou os que ainda se acham “superiores” por estarem na universidade, precisassem de um selo aceitável para aplacar seu anseio social: criou-se o “universitário”.
- Espertos, os sertanejos trataram de pegar esse termo para si. E de atualizar sua música, adicionando elementos do pop trivial, do “dançante”, de músicas mais aceleradas e de elevar rostos cada vez mais jovens: Luan Santana, o próprio Teló, Maria Cecília e Rodolfo, Gusttavo Lima e a lista segue sem fim.
Michel Teló é o maior fenômeno da música brasileira “tipo exportação” em muito, muito tempo. Portanto, merece capas de revistas, participações em programas de TV’s, tocar incessantemente na rádio, despertar o recalque e a miséria espiritual nos invejosos, etc. Claro, como toda exposição massiva, típica do pop, pode cansar e causar “repulsa” pelo excesso. Mas aí vale o mesmo para Teló, para Lady Gaga, Coldplay e qualquer outro exemplo de grande sucesso.
Odiar e menosprezar Teló exclusivamente pelo que ele representa e pelo que alcançou é apenas sinal de extrema infantilidade e ser refém de um pensamento médio de “o que é cultura” e “o que é válido e o que não é” tão elitista e caduco quanto qualquer coisa que eu possa imaginar. Nada que afete o sertanejo ou qualquer outro estilo do povo. Eles sempre souberam conviver muito bem com isso.
Mais:
O ótimo texto de Luís Antônio Giron, da Época: Sertanejos Universais