Há certa beleza no plágio. Muitas vezes, na música contemporânea, parece uma forma velada – inconsciente, espontânea – de “homenagem”. Praticamente quase todas as bandas indie’s celebradas nos últimos anos tem no post-punk sua fonte inesgotável de “referências”. Mas este papo não é novo. Pelo contrário, é velhíssimo. Lembro de uma conversa com um amigo (Daniel Delfino) em 2005 – 10 anos atrás! – em que ele me escreveu:
“Gosto muito da concepção grega de originalidade. Os gregos viviam num mundo em que não havia o conceito de história como acúmulo de desenvolvimentos. Para eles, o mundo era sempre o mesmo, repetindo-se numa circularidade infinita. Logo, a questão da anterioridade não era o que determinava a boa recepção que um artista recebia, mas a qualidade intrínseca de sua obra. Original não era quem tinha uma ideia primeiro, mas quem tinha essa ideia melhor desenvolvida. As narrativas eram sempre as mesmas, mas o artista mais apreciado era aquele que sabia melhor como apresentá-las ao público e torná-las significativas, explorando com mais profundidade as dimensões ocultas do tema. Resumindo, o original não era o primeiro, mas o mais verdadeiro. É claro que, sem saber, ao começarem com essa brincadeira, os gregos estavam justamente fazendo história e mudando seu mundo.
Nossa situação hoje é inversa, temos atrás de nós um gigantesco acúmulo de conquistas e também de tragédias, a história não parece estar no começo e sim no fim, num momento de decadência em que tudo já parece ter sido feito, tudo já parece ter sido dito e todas as ideias testadas. A indústria cultural absorveu a arte e institucionalizou a reciclagem. Tudo é cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia (basta usar ctrl c, ctrl v); mesmo a tentativa de ser original é uma cópia da ideia de ser original.”
httpv://www.youtube.com/watch?v=hdMz7BUtOvk
Tudo isso se aplica perfeita e pesadamente ao Viet Cong, os canadenses que ostentam o hype da vez. As 7 músicas do seu disco, recém lançado, são uma verdadeira coletânea de referências pós-punk: do This Heat, obscuro e vanguardista grupo britânico, passando pelo inevitável Gang Of Four, mais um pouquinho de Pere Ubu ali, de Wire acolá, de Devo e Joy Division acá, umas pitadinhas de Public Image Ltd e The Fall mais um Jesus & Mary Chain e Sonic Youth pra finalizar. Eis o caldo – grosso e bem construído, diga-se – que o Viet Cong ancora sua música.
Desde a abertura com “Newspaper Spoons”, passando pelo noise intenso de “March of Progress” e “Bunker Buster” até desembocar nos dois singles, o caos amaciado para ouvidos descolados de “Continental Shelf” e “Silhouettes”, encerrando com os 11 minutos ambiciosos de “Death”, o Viet Cong se arrisca em terreno pantanoso com uma qualidade admirável para quatro moleques de Calgary, grupo reformado a partir da dissolução do Women, que alcançou alguma rotação no meio indie (e que parece brincadeira de criança perto da corrosividade do Viet Cong, apesar de alguns tons em comum).
httpv://www.youtube.com/watch?v=zW1kP99mok4
Matt Flegel, Mike Wallace, Scott Munro e Daniel Christiansen conseguiram um bom entrosamento aqui, sem enrolação, sem rame-rame, entregando 37 minutos concisos e poderosos, de acordo com a pretensão que possuem.
Neste mundo em que falar em ser “original” parece um arremedo da simples ideia de se chegar a tanto, da arte e do plágio na era da sua reprodutibilidade técnica (uma piscadinha para Walter Benjamin), o Viet Cong tem consciência das suas limitações, mas mostra uma urgência, um peso e uma habilidade promissora em lidar com a herança torta do post-punk e derivados. Já é bem mais do que normalmente se tem.