Consegui perder dois shows do Lucas Santtana em 2010 em BH: no Festival Transborda e na Feira Música Brasil, entre setembro e dezembro. Para minha sorte, 2011 me presenteou com a sua apresentação no CCBB Brasília dentro do projeto “Sai da Rede”, que terá ainda shows de gente como Tulipa Ruiz, Burro Morto, João Brasil e outros.
Um dos mais talentosos nomes da música brasileira da última década, Lucas trabalha como poucos o uso de timbres, ritmos e construções melódicas e harmônicas variadas. “EletroBenDodô”, de 2000, “Parada de Lucas”, de 2003, “3 Sessions In A Greenhouse”, de 2006 e “Sem Nostalgia”, de 2009, formam um quarteto único, digno de ser revisitado sempre, com repertório recheado de pequenas pérolas buriladas cuidadosamente com falsa despretensão.
“Cira, Regina e Nana” abre o show com aquele balanço suingado da ponte Bahia-Rio, ressalta o bom letrista que Lucas é – outra qualidade escassa nessa geração – e eleva a camada precisa da sua banda de apoio, com nomes de destaque como Régis Damasceno e o uso mais que inteligente da guitarra e Dustan Gallas, que faz ótimo uso de sua imensa bagagem musical e de vida, das experiências com gente como Otto, Gal Costa e vários outros, adicionando seu tempero no caldo de Lucas.
httpv://www.youtube.com/watch?v=S–11avFoV4
“Amor em Jacumã” é outra difícil de esquecer. Santtana parece tornar fácil o ofício de criar canções memoráveis, tocantes, com melodias marcantes e estórias envolventes. Herança de Caetano, talvez, tão presente não só na sua voz como na essência, por mais que Lucas vá muito além da referência. E aí entram aquilo tudo que a gente sabe na receita: dub, samba (a sensacional “Faixa Amarela”, por ex, já no bis), jazz, música latina, rock, pop ensolarado, Bahia, funk, guitarrada (na bela instrumental “Recado Pra Pio Lobato”), um violão retorcido e swing de branco esperto, tudo regado com bastante azeite de dendê.
Por estar num teatro, Lucas pode explorar melhor músicas lentas como “Night Time In The Backyard”, “Ripple Of The Water” e “Who Can Say Wich Way”, três peças de extrema classe vindas do “Sem Nostalgia”. É entre a festa e momentos intimistas que o show caminha, com Santtana interagindo frequentemente com a plateia, incluindo a tradicional brincadeira do “apaguem a luz, acende o celular”, chamadas de auditório e sobrando espaço até para a cover de “Positive Vibration” de Bob Marley e passagens de “Minha Mulher Não Deixa Não”, o fenômeno de DJ Sandro, provável hit do carnaval 2011, “Billie Jean” de Michael Jackson e várias misturas no balaio.
“Lycra-Limão”, de “Parada de Lucas” e “Tijolo a tijolo, dinheiro a dinheiro”, de “3 Sessions In A Greenhouse”, são outros destaques do bis. Em 1 hora e 15 minutos de show, Lucas mostra o porquê de ter conquistado tanto respeito da crítica e, pouco a pouco, ter ampliado seu público. Não dá pra dizer que o som do baiano é, no geral, 100% palatável para as massas: no sentido da possibilidade de conquistar público realmente grande. Mas dentro do mundinho restrito do “alternativo”, Lucas sem dúvida é um dos que reúne maiores credenciais para tanto.
É música bonita, inteligente, de belo senso melódico, ganchos irresistíveis e mistura equilibrada. É popular e sofisticado. Tem tudo para ir sempre além do que já conquistou: nada mais que o merecido.