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Lenine encontra a “nova MPB”

Fotos: Dila Pucini/Divulgação

Lenine é o máximo que a MPB mainstream pode chegar no encontro com o rock. E isto, diga-se, é um elogio. Seu som é pesado, realmente pesado para seu estilo, a banda de apoio é excelente, adicionando punch nos acordes tortos e nas estruturas bem trabalhadas do pernambucano. O cabra é bom compositor e também sabe trabalhar com as pessoas certas, não dá pra negar. E aqui me refiro especialmente a Lula Queiroga e Bráulio Tavares, velhos parceiros de composição, fundamentais no som e nas letras de Lenine.

Abrindo o Conexão Vivo com o Grande Teatro do Palácio das Artes lotado mandou logo “Aquilo Que Dá no Coração”, a fraca música que foi tema de abertura da novela “Passione”. E, apesar de competente, o ritmo seguiu morno até que Tulipa Ruiz, apresentada por Lenine como um dos principais nomes dessa geração, com um pezinho em Minas, chegou para cantar “Magra” – ironia proposital? – faixa do disco “Labiata”, de 2008.

Tulipa foi uma espécie de unanimidade crítica ano passado, figurando em todas as listas de melhores do ano (inclusive aqui da Movin’ Up, em voto dos colegas). Seu talento é inegável, mas ainda acho que é necessário um freio nas louvações sem fim. Seu disco não pegou tanto aqui e ainda acho boa parte dos seus trejeitos e tiques vocais irritantes. Com uma “simpatia fofa” forçada demais. Mas se tem algo que dá pra falar é que Tulipa representa “a vitória dos gordinhos”. Se todas essas novas cantoras da MPB, maioria de São Paulo, são magérrimas e lindas, o que sempre conta no showbiz, Tulipa é a gordinha esquisita que deu certo. Com merecimento. Ponto pra ela.

Em seguida o mineiro Pedro Morais veio somar forças na ótima “A Rede”, com Tulipa completando o trio na metade e puxando o coro “Eu caio na rede / Não tem quem não caia”. Lenine é criativo e faz bem essa ponte entre diversos ritmos e escolas da música brasileira. Jogando para o público, emendou um medley do Clube da Esquina com “Me Deixa em Paz”, “Para Lennon e McCartney”, “O Trem Azul” e “Canoa, Canoa”.


O discurso, esperto, também é bem ensaiado: “Não é novidade esse meu débito emocional e musical com Minas Gerais. A música é para dividir, a música é para compartilhar. A música tem a ver com coletivo, com fazer junto”. E nos poucos momentos que se permite falar “quem me conhece sabe que eu sou de falar pouco, pra cantar muito” – frisou – Lenine, claro, não poupou elogios para essa tal de “nova MPB”. Quando Pedro e Tulipa saem do palco a primeira vez, completa:  “esse país tem andado muito bem das pernas, quem diz que não tem coisa nova e boa sendo feita aqui é míope. Tem que ser míope um cara desse”.

É verdade, Lenine. É a pura verdade. Quem fala algo assim no mínimo não acompanha nada da música brasileira atual. O que não significa que essa geração precise de elogios descabidos e da zona de conforto e proteção que muitas vezes é criada. A nossa música é boa demais, com uma história rica demais – e justamente por isso deveria ser natural que nosso nível de exigência fosse maior. Quem acompanha esse site sabe do que falo.

Quanto ao formato do encontro, seria interessante se músicas de Tulipa e Pedro também fossem executadas, e não só de Lenine. Mas o show seguiu firme com faixas da maioria dos 7 discos inéditos do cabra. Desde “Leão do Norte”, em que celebra com talento suas origens até os principais hits da carreira: “O Homem Dos Olhos de Raio-X”, “Dois Olhos Negros”, “Jack Soul Brasileiro”, “Lavadeira do Rio”, que sempre é um belo momento ao vivo e a recente “Martelo Bigorna”.  Senti falta da excepcional “Na Pressão”. Já “Paciência” não fez tanta falta. Apesar de bonita, cansou.

No bis final, inevitável, Pedro e Tulipa voltam para, junto com o público, cantarem “Hoje Eu Quero Sair Só”, seu maior êxito, composição ícone e indispensável. Sorrisos e agradecimentos, tudo dentro do esperado. Por mais que esse diálogo entre nomes já estabelecidos da MPB com gente que surgiu na última década possa soar forçado por várias vezes, em tantos exemplos por aí, é algo saudável se sair das aparências. E Lenine, acertando muito mais do que erra, segue construindo uma carreira digna de elogios.


Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Shows