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Paul McCartney: um ícone em estado de graça

Não é exagero dizer que os Beatles definiram tudo que conhecemos como pop: dos primeiros singles pueris de amor juvenil, passando pela “perda da inocência”, amadurecimento, drogas e o próprio período 66-70, de intensa revolução social em todo o planeta, os 7 anos de intensa atividade da banda marcaram o desenvolvimento da indústria musical, do espetáculo e da máquina pop que, ainda hoje, guarda muito das estratégias daquele tempo.

Do frisson catapultado pelas aparições na TV, dos filmes e animações, o fanatismo desenfreado, os 13 discos de estúdio – quase 1 a cada 6 meses – são o testamento ideal de uma época muito particular: os caras certos na hora certa trabalhados da maneira correta e com muito talento nas costas.

De “All My Loving”, do segundo álbum e executada logo no início do show, passando por “I Saw Her Standing There”, “And I Love Her”, “I’ve Just Seen a Face”, “Yesterday” – uma das músicas mais ‘coverizadas’ da história – “We Can Work It Out” e “Day Tripper”, todas da “primeira fase” da banda, Paul McCartney equilibra bem o set com este material e coisas do último disco, “New”, lançado no final de 2013, como “Save Us”, “New”, “Queenie Eye” e “Everybody Out There” e sua trajetória com o Wings.

O material mais recente, o primeiro integralmente inédito desde “Memory Almost Full”, de 2007, é muito bom e dialoga com a carreira de McCartney, não soando como mero pastiche do que já fez antes e melhor, mas sim composições frescas e dignas da discografia que carrega. Manter-se na ativa e com composições novas é tão natural quanto corajoso da parte de Macca, que enverga, junto com outros ícones dos anos 60, essa resiliência e a capacidade de produzir bem e permanentemente. Bob Dylan, Leonard Cohen, Neil Young, David Gilmour, Black Sabbath e alguns compartilham dessa capacidade.

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Indiscutivelmente o maior nome da história da música pop, Paul sabe perfeitamente o que fazer e como agradar o público, habilidade pra lá de azeitada em mais de 50 anos de palco. A colinha das falas em português, repetidas em todos os shows no Brasil nos últimos anos, variando somente a cidade, a interação com todas as partes do estádio, a introdução que faz para algumas músicas, tudo certo, tudo na medida. Dedica músicas para John Lennon, George Harrison, para a ex-mulher Linda e para a atual, Nancy, mostra a guitarra que, explica, é a mesma que usou nas gravações nos anos 60, agradece o tempo todo, rebola, brinca, pega o ursinho de pelúcia atirado ao palco e dedica canções até para as crianças, caso de “All Together Now”.

Aos 72, Paul está ótimo, fruto de uma mente ativa e do óbvio cuidado que tem com o corpo, seja na sua cruzada vegetariana (incluindo distribuição de folhetos pela “Segunda Sem Carne” no show), nos exercícios e na voz, quase intocável, ainda que naturalmente sofra um pouco nos momentos em que mais agudos ou um tom rasgado é exigido.

Ícones do pop açucarado e posteriormente da psicodelia, influenciando tanto o rock progressivo com a guinada em “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” quanto até o metal – a espetacular “Helter Skelter” é uma das primeiras músicas mais efetivamente pesadas já gravadas – os Beatles fizeram por merecer não só a idolatria, mas toda a influência na música contemporânea.

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Com os Wings, McCartney produziu um dos melhores discos pós-Beatles entre os integrantes da banda: “Band On The Run” veio representado na faixa título, em “Let Me Roll It” e “Nineteen Hundred And Eighty Five”. “Mrs. Vandebilt” saiu do set-list em comparação com os shows do ano passado, assim como “Eight Days a Week”, “Junior’s Farm”, “You Mother Should Now”, “Hi Hi Hi” e algumas mudanças sensíveis. Os outros dois melhores álbuns pós-Beatles seriam “Plastic Ono Band”, de John Lennon e “All Things Must Pass”, de George Harrison, uma trinca que talvez seja “ponto pacífico” entre os fãs.

A explosão com pirotecnia e fogos de artifício em “Live And Let Die”, escrita por Paul em parceria com o Wings para o filme de James Bond do mesmo ano e uma das composições mais fortes que já fez, engata a parte final do show. “Hey Jude” é o momento esperado para todos cantarem junto e neste momento, coincidentemente, a chuva cai mais pesada, gerando aquele tipo de ocasião que só um grande sucesso eternizado na cultura popular é capaz.

No segundo bis, Paul emenda o medley final de “Abbey Road”, com “Golden Slumbers/Carry That Weight/The End” e sua pegada mezzo sinfônica, coisa pra fazer marmanjo chorar. Com uma carreira tão extensa, é claro que as ausências no set-list são infinitas. Ficam para critérios pessoais as músicas mais sentidas.

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Em termos de estrutura e logística, Brasília é uma cidade peculiar: tem a melhor acessibilidade se comparada a Belo Horizonte (Mineirão), São Paulo (Morumbi) e Rio de Janeiro (Apoteose, etc), com o Mané Garrincha localizado num espaço central e de fácil acesso, porém a acústica do estádio, o mais caro dos construídos para a Copa do Mundo (quase R$ 2 bilhões), deixa muito a desejar. Se na pista a qualidade é aceitável, apesar de baixo, no geral o som é sofrível, incompreensível não só para a produção do porte de Paul, que teve todo o tempo do mundo para montar a estrutura, mas problemas crônicos já observados em outras ocasiões. O atraso, de 1 hora e 10 minutos, pouco observado em outros lugares, também parece uma exclusividade característica da cultura brasiliense que nem a pontualidade britânica é capaz de superar.

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Nos últimos anos, McCartney visitou Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Fortaleza, Goiânia e agora também Vitória e Brasília, faltando somente Curitiba, Salvador e Belém entre as principais. Em suma, Paul é um ícone em estado de graça com a própria carreira e com o Brasil.

Paul McCartney Setlist Estádio Mané Garrincha, Brasília, Brazil 2014, Out There! Tour

Fotos: Marcos Hermes / Divulgação

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Shows