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Damien Rice e a pretensão de “My Favourite Faded Fantasy”

Já se vão mais de 10 anos desde que Damien Rice saiu do anonimato para estourar em todo o mundo com o hit “The Blower´s Daughter”, lançado em 2002 com relativo sucesso e depois catapultado pelo filme “Closer”, de Mike Nichols, com Natalie Portman, Jude Law e Clive Owen, desde então uma espécie de queridinho moderno para relacionamentos fracassados e o processo bélico e doloroso de término e retomada tão conhecido por todos. No Brasil, gerou a indefectível “É Isso Aí”, versão de Ana Carolina e Seu Jorge de um álbum vivo que também vendeu muito.

“O”, o disco, mostrava outras qualidades. “Volcano” e “Cannonbal” puxavam um registro que revelava um artista bebendo (e bem) em fontes inevitáveis como Nick Drake, Jeff Buckley, Leonard Cohen, Bob Dylan e toda essa linhagem. “9”, de 2006, menos inspirado, também não fez feio. Depois o irlandês caiu quase num ostracismo, demorando 8 anos para lançar  este “My Favourite Faded Fantasy”, que chega ancorado na produção de Rick Rubin, um dos mais famosos e prolíficos produtores dos últimos 30 anos. Mais ligado ao hip-hop, rock e metal, produzindo trabalhos de Beastie Boys, Run DMC, Slayer, Danzig, Red Hot Chili Peppers, Tom Petty, System of A Down, Metallica, Black Sabbath e tantos outros, Rubin tem a oportunidade não só de pegar um material diferente da sua média habitual, com outros temas, texturas e sonoridade, bem como parar de contribuir com “a guerra do volume”, uma praga da indústria musical que ele próprio ajudou a difundir (falei mais sobre isso aqui).

Todo o tempo que Damien Rice levou para compor, pensar, burilar, escolher, editar e refinar as oito músicas de “My Favourite Faded Fantasy” gerou, de um lado, parte do melhor material que ele já produziu e, de outro, trechos de uma mediocridade pretensiosa que não está de acordo com o talento e capacidade que possui, às vezes na mesma música. “The Greatest Bastard” sofre exatamente disso, assim como “It Takes a Lot To Know A Man”e seus 9 minutos e meio. As duas canções, ótimas, variam de estrutura e pecam ou pelo excesso ou pela escolha errada de tempo.

cover

Em especial, não tenho nada contra a pretensão. Ao contrário, considero um dos principais temperos para um artista, que pode ou não acertar dentro do que propõe. São inúmeros os exemplos de artistas que conseguiram produzir obras-primas e discos medianos dentro desse contexto, ao longo de uma carreira. Damien Rice não está à altura de suas principais influências (claro), mas chega no mesmo nível de seus contemporâneos, como Ray LaMontagne, Rufus Wainwright e Josh Rouse, por exemplo. A inconstância, aliás, é o que caracteriza o trabalho de todos eles, com nenhum conseguindo manter a qualidade elevada em discos seguidos.

A primeira metade de “My Favourite Faded Fantasy” é claramente superior à segunda. Da faixa-título, passando pelas duas já citadas até o primeiro single “I Don’t Wanna Change You”, de aparência inofensiva e soando como mais uma canção de amor familiar, até crescer em melancolia e beleza. Rice é um expert do clichê, nas letras e na sonoridade. Já ouvimos isso centenas e centenas de vezes, mas ele sabe bem como cozinhar o que esperamos dele: wherever you go / well, I can always follow / i can feed this real slow / if it’s a lot to swallow / and if you just want to be alone / well, I can wait without waiting / if you want me to let this go / well, I’m more than willing

httpv://www.youtube.com/watch?v=FnzHOsiaJns

O “lado B”, no entanto, naufraga nos exageros de “Trusty And True” e na modorrenta “Colour Me In”. Não por acaso, “The Box” é a única que se sobressai, apesar do final etéreo (e fraco) de “Long Long Way”. Como sempre nos casos de artistas do tipo de Damien Rice, a música funciona muito melhor quando você está conectado com o clima geral que as músicas trazem. O problema é que cansa e a impressão acaba contaminada pela abordagem arrastada da obra.

Se perdendo na própria pretensão, “My Favourite Faded Fantasy” é um disco que, no entanto, merece ser ouvido com cuidado – belo desde o nome e a capa – apesar da extenuante viagem emocional que Damien propõe.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds