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O Fim do Mundo Como o Conhecemos e o Novo Mercado da Música

Junho de 2008. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Os marcos geográficos ainda são resquícios de uma concepção atrasada, raízes dum tempo onde tudo tinha sua existência local e limitada. A primeira década do século XXI anuncia, mais do que nunca, o fim do mundo como o conhecemos. Ou, como este movimento anárquico chamado internet interfere diretamente na forma de se fazer, vender e comunicar cultura. Em especial, a música. Neste momento, enquanto as vendas de CD’s encolhem expressivamente ano a ano, gravadoras, empresas, produtoras, bandas e público buscam novos caminhos para financiar um mercado que gera 50 bilhões de dólares anuais.

Não existe hora pior para se viver quanto eras de transição. Onde tudo desmorona, seca, renasce. O que conhecíamos é destruído, os padrões abolidos, o caos instalado, e o mercado e as pessoas, o capital e os seres humanos, continuam girando, perdidos, tateando as novidades ainda com um certo receio, sem saber como agir. Presos entre as tradições e o que de novo se anuncia, vamos aprendendo, a custa de muitos tropeços e um “pasmo essencial” a cada semana, cada mês. A verdadeira revolução social da música está só começando.

I – Prenúncio do Fim

Todas as formas tradicionais de se vender música estão agonizando, tentando entender como, em 5 anos, tudo se modificou. Rick Rubin, um dos maiores nomes da indústria, alto-executivo da Columbia Records, afirmou recentemente ao The New York Times que “numa era com música digital, iPods e todas as ferramentas para pirataria nosso modelo de negócios parece um dinossauro. A única forma da indústria musical sobreviver é se reinventar totalmente.”

A declaração não vêm à toa. Somente no ano passado, as vendas de música no suporte físico (CD’S e DVD’s) caíram 13% no mundo, de US$ 18,3 bilhões para US$ 15,9 bilhões de dólares. No Brasil não é diferente. No mesmo período, de 2006 para 2007, a quantia movimentada por esse mercado encolheu de R$ 454,2 milhões para R$ 312,5 milhões, redução de 31,2%. Foram vendidas 31,3 milhões de unidades, 17% a menos que o ano anterior. Em 1997, o Brasil ocupava o sexto lugar no ranking, com lucro total de US$ 1,2 bilhões de dólares e 100 milhões de unidades vendidas. Em 10 anos, nos valores da moeda estadunidense, a redução é de aproximadamente 84%.


loja com milhares de cds: imagem ultrapassada

A gravadora EMI (integrante das “Big Four”, os quatro maiores conglomerados de música no mundo, completado pela Universal, Sony BMG e Warner, que detém aproximadamente 70% do mercado mundial), anunciou no início de 2008 um corte de 1 terço dos seus funcionários, além da redução dos gastos com marketing e da dispensa de vários artistas. O grupo espera com isso economizar US$ 391 milhões ao ano.

Eduardo Ramos, fundador do selo independente Slag Records, simboliza esta mudança: ” O comércio físico de música virou comércio de arte/nicho. Quem compra formatos físicos ou são consumidores de artistas extremamente populares ou de nicho, o que sustentava a indústria era o meio termo, que parou de comprar cds por completo…. o que resta do comércio é ser o mais específico possível… saber com quem você está lidando. Os selos morreram completamente… hoje em dia selos prestam serviços para bandas. Não tem como pensar em lançar CDs, então não existe muito como ganhar dinheiro como selo que tem como atividade principal lançar discos.”

Enquanto isso…

II – O avanço da música digital

A derrocada do suporte físico simboliza o movimento inverso que a música em formatos digitais experimenta. Segundo último levantamento da IFPI (Associação Mundial da Indústria Fonográfica), as vendas de música digital totalizaram 3,05 bilhões de dólares em 2007, número 48% maior que em 2006. Este nicho representa agora 15% do mercado global: cifra que era de 0% em 2003. Somente nos Estados Unidos, as vendas de canções via internet e celulares agora respondem por 30% da receita total da indústria.

E o Brasil segue o mesmo fluxo. O país, que nos últimos dois anos viu o nascimento de lojas online do UOL,Terra, a criação de diretórios locais do MySpace e LastFM, o suporte de empresas ao Trama Virtual, remunerando artistas pelo número de downloads, registrou números extremamente expressivos em 2007. O setor já representa 8% do mercado total de música no país, movimentando R$ 24,5 milhões. 76% disto vem da telefonia móvel e 24% da internet. As receitas pelas empresas de telefonia subiram 127%, enquanto a web teve crescimento de, simplesmente, 1.619%.

A tendência é natural e tem um suporte sólido. O Brasil conta atualmente com 130,56 milhões de linhas ativas de telefonia móvel. Aumentando nada menos que numa média absurda de 2 milhões de linhas ativadas a cada mês (eram 100 milhões em janeiro de 2007). Com o crescente barateamento de celulares mais avançados, que tem função de mp3 player, vídeo e internet (40% dos aparelhos atuais já são capazes de baixar faixas), potencializadas pelo lento mas considerável penetração do padrão 3-G, transferindo dados com velocidade de banda larga, em até 7MB por segundo, além de inúmeras outras funcionalidades. Outro dado importante é que, até o final de 2009, a Anatel prevê que os sinais das operadoras deverão cobrir todo o território nacional. Atualmente apenas as cidades acima de 30 mil habitantes têm essa cobertura. O mercado de telefonia fixa/móvel, banda larga e TV por assinatura fatura hoje R$ 150 bilhões anuais.

O setor de internet também registra bons números. O Brasil têm hoje 40 milhões de internautas, sendo metade residenciais (dentre os quais 75,6% tem banda larga) e metade de uso em outros ambientes, como no trabalho, em lan-houses, escolas, etc. O país é ainda é líder mundial em tempo de navegação por usuário, com 22 horas e 59 minutos ao mês.

Previsões dão conta de que, em 2012, a música digital irá representar 40% do faturamento do mercado fonográfico mundial, gerando 4,2 bilhões de dólares pela web e 17,5 bilhões através música móvel. O ITunes, loja virtual lançada pela Apple em 2003, tornou-se, em 5 anos, o maior veículo de vendas de música nos Estados Unidos, respondendo por 19% do mercado e vendendo mais de 5 bilhões de faixas neste período. Somado ao concorrente Napster, que nasceu de forma ilegal em 1999, sendo o primeiro programa relevante de P2P (compartilhamento de arquivos), e que em maio de 2008 anunciou o lançamento de sua loja online, os dois serviços juntos disponibilizam mais de 11 milhões de faixas para download, ao custo de US$ 0,99 dólar cada, reunindo catálogo de todas as grandes gravadoras e milhares de selos menores.


ITunes: 5 bilhões de faixas vendidas

III – A internet e o mercado de música independente no Brasil

As possibilidades, como vimos, estão abertas. O mundo da música em 2008 é radicalmente diferente do que era em 2003. Em 5 anos, tudo se expandiu, solidificou, novas ferramentas, softwares, lojas, idéias e sites surgiram, os meios digitais ficaram acessíveis à uma parcela infinitamente maior da população.

Para qualquer banda independente, ficar refém de grandes gravadoras e da velha maneira de se fazer e consumir é uma necessidade do passado. O MySpace, principal site de relacionamento focado na música, conta com 30 milhões de usuários e 5 milhões de bandas cadastradas. O SMD – Semi Metalic Disc – produto inventado no Brasil, permite prensar e vender seu próprio disco à um custo ínfimo, comercializado com o preço padrão de R$ 5 estampado na capa: com direito à tudo que um CD “tradicional” oferece, comportando até 60 minutos de gravações e com uma série de medidas inteligentes que baratearam o produto final. Ótima pedida para quem ainda precisa do suporte físico para vender em shows, enviar para a mídia especializada, etc.


MySpace: plataforma para novos lançamentos

A internet disponibiliza inúmeras ferramentas, todas gratuitas, para quem quer fazer seu próprio site, divulgar sua obra, registrar, disponibilizar para download, tornar seu nome conhecido no cenário. A “cena” brasileira de música independente passou a se fortalecer recentemente, dando origens à inúmeros festivais e coletivos em várias cidades do país que promovem shows, eventos e facilitam todo o processo da cadeia produtiva para que bandas surjam e aconteçam para o público ao qual se dirige. Um dos maiores exemplos é o festival Grito Rock, que em 2008 aconteceu em 44 cidades brasileiras e 3 gringas – sendo Montevidéu no Uruguai, Buenos Aires na Argentina e Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia – firmando-se como o maior evento do gênero no país, envolvendo mais de 500 bandas e presente em 20 estados.

Deste movimento surgiu o Circuito Fora do Eixo, que veio para integrar as pessoas envolvidas neste processo. Léo Santiago, editor do portal, explica a proposta: ” O Fora do Eixo nasceu da movimentação que já existia em algumas cidades como Cuiabá, Uberlândia, Goiânia…diversos profissionais se reuniram em 2005 e viram a necessidade de se organizarem justamente para criar um circuito interligando tudo o que estava acontecendo em várias regiões do país e a partir daí começar a pensar ações conjuntas em prol do desenvolvimento da cena independente. Vale lembrar que na mesma época foi criada a Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes), o que deu ainda mais gás ao cenário.”


Festival Fora do Eixo: uma das iniciativas

Para fazer frente ao monopólio da indústria, enfrentar o comodismo do público e alguns conceitos arraigados na mente dos próprios artistas é necessário toda uma concepção diferenciada, e séria, de se construir as coisas, como explica Léo: “A escassez de recursos financeiros, de veículos de comunicação e mesmo de população exige muito mais cuidado e esforço na hora de implementar ações, tudo é feito de forma solidária: existem objetivos a serem alcançados em conjunto e a auto-avaliação também é feita coletivamente. Acho que a grande questão do mercado independente hoje é ser cada vez mais auto-sustentável e diversificado. Existe um circuito com seus próprios veículos de comunicação e bandas que nasceram ali e podem sobreviver tocando neste circuito. Isso é fantástico, uma coisa impossível há poucos anos atrás quando não tínhamos a internet.”

Christian Camilo, da banda Instiga, de Campinas – SP, é um desses músicos que desde o início utilizaram da internet para fazer todo o trabalho de divulgação. Em três anos de trabalho de base na web, o grupo já alcançou mais de 156 mil acessos no MySpace (disparado um dos maiores números entre bandas brasileiras), lançou 2 álbuns – o terceiro está por vir – e foi destaque pela BBC londrina, como uma das 20 “next big thing” e também da própria equipe do MySpace Brasil. Para ele “ter a chance de divulgar sua banda e espalhar sua música é uma maneira de poder alcançar um nível de expressão que só era possível as grandes corporações e aos ricaços que se aventuravam no mercado. Hoje, “ter uma banda na mídia” é quase a concretização dessa democracia artística – é da classe média que vem a maior contribuição em tempos de internet.”

E para os produtores? Para quem organiza shows e faz a coisa acontecer ao vivo, como a internet funciona? Malu Aires, fundadora do festival BH Indie Music, ressalta que “as mídias não são convencionais, são eletrônicas e alternativas, portanto se faz necessária mais veiculação espontânea extinguindo o famoso jabá e publicações pagas. O público também se difere em idade e exigência, estando mais informados do que nunca. E o tempo é mais longo para quem emprega capital próprio e privado nas produções. A tecnologia é vital na divulgação de um trabalho independente. Devemos somar recursos com inteligência e equilíbrio de ações para um longo prazo.”


Instiga: reconhecimento através da internet

Tantas facilidades podem criar um outro problema: o público se perder em meio à tantas bandas e tantos caminhos. A avalanche de grupos – muitas vezes de qualidade duvidosa – sobrecarregam a mídia, os canais de divulgação, patrocinadores, shows. O que diferenciaria um grupo no atual momento da música mundial? Como se destacar em meio a tantos nomes? O acesso fácil criaria o reconhecimento instantâneo? Indo além, ainda não restaria, entre a imprensa, um resquício de preconceito contra as bandas indie, fazendo com que elas não conseguissem espaço em veículos de maior alcance?

Estes são problemas que não escapam a quem participa do cenário. É o que afirma Dary Jr., vocalista e letrista do Terminal Guadalupe, de Curitiba/PR, banda que se firmou na internet e obteve bom reconhecimento de grandes medalhões da imprensa: “Um jornalista anglófilo e modernete do eixo Rio-São Paulo pode até dar uma torcidinha de nariz, mas não há como ser indiferente a um trabalho de qualidade. É o que eu sempre digo para as bandas afoitas em criar uma ampla rede de relacionamentos na mídia: você pode até ser herdeiro do Roberto Marinho, mas se a canção que fizer não for boa… pirotecnia visual e marketing? Sorry. A música é quem manda, amigo.”

Felipe Gurgel, assessor de comunicação do projeto Noise-3D e baixista da banda O Garfo, de Fortaleza, completa: “Contrariando a expectativa que o senso comum tem de encontrar fórmulas prontas, essas mudanças colocaram a gente em um trânsito caótico de informação musical. Diria que nenhuma dessas (ferramentas da internet) atingem uma forma ideal. Mas acho que esse “trânsito caótico” tem uma carta na manga muito interessante: você estabelece um filtro para que artistas talentosos de fato encontrem seu público.”


Terminal Guadalupe: no fundo, o que importa é a música

Felizmente, a qualidade não deixou de ser fator primordial para que uma banda mereça o espaço conquistado. Tudo que foi citado até agora encontra seu lugar numa série de festivais que surgiram e estão se solidificando na cena, com maior ou menor sucesso, caso do Abril Pro Rock, no Recife, o Mada e Do Sol, em Natal, Bananada de Goiânia, o Jambolada de Uberlândia/MG, o Calango, em Cuiabá/MT e tantos outros. Além disso, empresas/marcas vêm, nos últimos anos, apoiando de forma intensa este movimento favorável através da criação de seus próprios festivais e/ou do patrocínio e uso de bandas “alternativas” em comerciais, caso da TIM, Claro, Natura, Nokia, Portal Terra, Motorola, Vivo, Unimed, Sony, Orloff, Campari, Toddy, Levi’s, West Coast, Usiminas, Sol, Oi, Petrobrás…com tendência a aumentar. É o apelo de um público diferenciado tornando-se atrativo financeiramente. Há música sendo feita, reconhecida, girando e acontecendo em todos os cantos do Brasil. Se antes incipiente, a internet e o formato digital é agora uma realidade acessível que deverá em pouco tempo tornar-se a principal fonte de lucro da indústria.

Fazendo uma ponte entre passado e futuro, além de exemplificar como a mídia fica neste caminho, Paulo Floro, editor da revista eletrônica O Grito, diz que “todo dia surge uma nova idéia que explora a web de maneira inteligente e lucrativa, mas ainda não se chegou a um modelo ideal (e talvez nunca chegue). Como jornalista, acredito que o disco, enquanto conceito deva existir. A idéia de “álbum” é muito importante para firmar o trabalho de uma banda, para ter uma idéia e uma unidade juntas num único conjunto, que é o disco. Mesmo que não seja lançado fisicamente, sua existência já funciona como agendamento, o que para imprensa é muito importante. O disco não irá morrer, o que está entrando em decadência são as formas de distribuição e comercialização tradicionais. As bandas precisam compreender este momento se quiserem adquirir relevância nos próximos anos.”

Se em 5 anos o mercado mudou completamente, com alguns destes acontecimentos descritos aqui, será no mínimo curioso acompanhar, e participar, do que os próximos 5 nos reservam. Daí a importância de mover-se, não ficar parado – movin’ on up – e estar atento para que todas as engrenagens sejam bem exploradas, com criatividade e trabalho sério.

O velho mundo diz “adeus”. Você tem apenas que dizer “olá” para a verdadeira revolução social da música em todos os tempos. O “do it yourself” nunca foi tão verdadeiro. Retomamos o poder. Faço bom uso dele.

Fontes:

Todas as fontes para esta matéria, além de outras reportagens, dados, levantamentos e assuntos relacionados estão reunidos no link que fiz no Delicious:Mercado Música.

Link da postagem original (+ comentários) no antigo blog da Movin’.

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