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O branqueamento da música pop?

A lista dos 40 melhores álbuns da década feita pelo Scream & Yell (levando em conta os votos de 68 jornalistas) provocou este comentário do Forastieri. Os negros sumiram da música pop? Conversando sobre tudo isso com o amigo Vinícius Duarte, o cabra lançou este post. Observando a repercussão destas e outras fontes, Marcelo Costa (o Mac, fundador do S&Y) teceu esta análise, perfeita, que joga luz sob diversos pontos específicos sob o resultado da lista.

Mas a provocação do Forastieri lembrou de algo importante e principal deste artigo: cadê os negros? V. Duarte alfineta “é notória a “branquelização” da música negra, e aí estão os narizes dos astros “black-pop”, afilados cirurgicamente, para não me deixarem mentir sozinho. A Beyoncé é uma cantora extraordinária (veja o filme – Dreamgirls!), mas para a indústria fonográfica de hoje, com aquele par de pernas, aquela bunda e a voz da Xuxa, dava no mesmo. Afinal, Autotune, Protools e o cacete servem pra quê? Com as máquinas de hoje, até eu canto mais que o Nélson Gonçalves.”

Boa parte do melhor que existe na música tem origem negra: blues, rock, R&B, jazz, hip-hop, soul, etc. Da referência mais óbvia que é Elvis Presley até os dias atuais, a apropriação dos brancos da música negra para fazer sucesso é notória e sofreu muitas transformações e adaptações.

No post do Forasta, desafiei: pois então, quais foram os grandes artistas negros POP  surgidos  nesta década? Dos mais de 60 comentários, apenas um foi capaz de citar A ou B. A verdade é que, dos lembrados, quase todos fazem parte dos nichos já tradicionalmente negros: hip-hop, principalmente. De 2000 a 2009, alguns álbuns sempre lembrados são:

D’Angelo – Voodoo

Outkast – Stankonia

Kanye West – Late Registration

Jay Z – American Gangster

MIA – Kala

TV On The Radio – Return To Cookie Mountain

Al Green – Lay It Down

Gnarls Barkley – St. Elsewhere

Raphael Saadiq – The Way I Seet It

Alicia Keys – The Diary Of

Bela lista, certo? Destes, Gnarls Barkley – conhecido mais pelo single “Crazy” que pelo álbum em si – TV On The Radio, grupo que conquistou o respeito da mídia “independente” e cravou vários melhores do ano/década e MIA podemos dizer que ultrapassam o gueto. Além do Bellrays, no rock, pouco lembrado, liderado por uma negra. Não dá para dizer que Beyoncé, que ilustra este post, e Rihanna, para ficar em duas multiplatinadas recentes, representam algo que vá durar.

James Brown e Michael Jackson se foram. É um símbolo da coisa toda. Os candidatos a “levarem adiante” o legado do último são Chris Brown (que ninguém lembrou em lista nenhuma porque é simplesmente muito ruim) e Justin Timberlake, que tem lá seus momentos. Os dois principais produtores do pop mainstream estadunidense hoje são Will I Am, do Black Eyed Peas e Timbaland, negros.

No Brasil, é desnecessário lembrar que os grandes nomes e muito da música relevante feita por aqui sempre vieram dos negros. Na música eletrônica, podemos citar dois top DJ’s que gosto muito: Carl Cox e Felix DaHouse Cat. Apesar de todo pastiche, emulação e mercantilização extrema (algo que sempre foi regra, vide os “preceitos” da Motown) há negros em quase todos os meios da música. Especialmente nos guetos, claro: dub, reggaeton, jazz, hip-hop, etc.

Não dá para falar em apartheid ou preconceito no mercado musical. Até porque, como dito, os negros sempre foram uma das maiores fontes de dinheiro pra essa turma. Bem como os brancos que conseguem entrar num nicho quase exclusivo, como Eminem, um dos maiores vendedores de disco da década.

É preciso lembrar que caras como Michael Jackson (que “enbranqueceu” na pele, nunca na música) são gênios, independente da raça. E gênios assim não nascem todo dia, não vem por “safra”. É claro que a música negra hoje é bem diferente do que era décadas atrás, assim como todos os estilos sofreram suas transformações.

Se pra “melhor” ou “pior”, muitas vezes, é apenas maniqueísmo, uma das doenças da modernidade. Quando tudo tem que ser “bom” ou “ruim”, “branco” ou “preto”, “X” ou “Y”.  O paradoxo dos paradoxos num tempo onde o “hibridismo” (termo que detesto e tem também seu lado nefasto) é total.

O importante, no fim, é que não importa para onde você olhe, sempre tem boa música sendo feita em todos os lugares do mundo, por gente das mais diversas origens e influências possíveis. Se o “pop”, por acaso, está preso em certas armadilhas propositais, azar o dele.

Published in Destaques Especiais