Quem gosta de metal não tem absolutamente nada para reclamar da primeira década dos anos 2000 até agora: além de assistirem o renascimento de bandas clássicas, voltando a lançar ótimos álbuns (Iron Maiden e Metallica, as principais), tivemos o surgimento de boas novas bandas (o Mastodon da foto acima, Sun O)), Mars Volta, etc) e uma avalanche de obras relevantes em praticamente todos os sub-estilos: death, doom, thrash, prog, melódico, black, etc.
A seguir, escolhi 13 álbuns que definiram a década e explico o motivo de cada um figurar na lista. Clicando sob o nome de cada álbum você abre um link para ouvi-lo e/ou músicas da carreira do grupo. Easy, easy.
Iron Maiden – Brave New World (2000)
Quando “Brave New World” foi lançado, a banda estava decadente, afastada dos fãs, insatisfeitos com o novo vocalista, Blaze Bayley. Há que se dizer que Bayley já entrou num período de baixa do grupo, após dois discos apenas medianos (No Prayer For The Dying, de 90 e Fear Of The Dark, de 92) e estafa entre os membros e Bruce Dickinson. O desdobramento culminou nos piores discos da Donzela, The X Factor, de 95 e Virtual XI, de 98.
A verdade é que ninguém aguentava mais e a sombra de Bruce perseguia a banda a todo custo. Ajudou também o fato da carreira solo do Mr. Air Raid Siren, apesar de boa (fora o duvidoso “Skunkworks”, de 96) não estar gerando tanta grana. Como diz o ditado popular: a fome com a vontade de comer…”Brave New World” foi recebido com entusiasmo poucas vezes visto.
A capa era linda, Bruce, talvez o vocalista mais amado do gênero, de volta e canções revigoradas, recuperando a magia perdida, com um quê de “Seventh Son Of A Seventh Son”. BNW também definiu o que seria o Iron nos anos 2000, menos inspirado nos trabalhos seguintes: ares progressivos, atmosféricos, faixas longas e épicas criadas por Steve Harris e cia.
Após a tradicional abertura com uma música rápida e pesada (“The Wicker Man”), praticamente todas as faixas do álbum se tornaram queridas pelos fãs: Ghost Of The Navigator, a faixa título, The Mercenary, Dream Of Mirrors, Blood Brothers e Out Of The Silent Planet. No total, mais de uma hora de puro metal como há muito os fãs ansiavam.
A consagração do CD também deve-se bastante ao duplo ao vivo gravado no Rock In Rio menos de um ano depois do lançamento. Especialmente para nós, brasileiros, por motivos óbvios. BNW é, de certa forma, o renascimento simbólico do metal na década, de uma banda ícone do estilo, com seu principal vocalista de volta, começando a enterrar a modinha do “new metal” e trazendo consigo um fôlego novo a diversos outros grupos respeitáveis.
Nevermore – Dead Heart In A Dead World (2000)
Warrel Dane. Só este nome já seria motivo suficiente para colocar o Nevermore aqui. O vocalista sem dúvida lidera um dos nomes mais interessantes do metal. Se você lembra da guitarra de Jeff Loomis, o baixo de Jim Sheppard e a bateria de Van Willians, que estão juntos desde 94, a coisa fica bem boa. O Nevermore nunca deixou de ser coeso e experimental ao mesmo tempo. Além desde DHIADW, o grupo lançou “Enemies Of Reality” e “This Godless Endeavor” na década. Como se não bastasse o vocal, Dane é ótimo letrista. Sonoramente, o Nevermore produz uma massa sonora melódica thrash sempre com riffs inspirados e passagens complexas. Ouça apenas a cover de “Sound Of Silence”, do Simon & Garfunkel, presente nesse CD e comece a entender a brincadeira.
Opeth – Blackwater Park (2001)
Dentro do metal, poucos grupos conseguiram fundir tão bem o progressivo, o doom, o thrash e as vertentes mais pesadas e obscuras do metal como o Opeth, ao mesmo tempo em que trazem melodias únicas e ideias incomuns. Blackwater…contou ainda com o auxílio de Steven Wilson, do Porcupine Three, um belo adendo. É considerado, com justiça, a melhor obra do grupo.
Pain Of Salvation – Remedy Lane (2002)
É a obra melhor acabada da banda. A mais bela e equilibrada. Onde Daniel Gildenlow conseguiu atingir um nível de maturidade impressionante, refletido em faixas como “A Trace Of Blood”, “Fandango”, “Undertow” e “This Heart Of Mine (I Pledge)”. A rara capacidade de somar quebradeira instrumental, sentimentos, criatividade e letras bem acima da média. Uma banda prog que não é cópia de Dream Theater. Após RL, Gildenlow atingiria níveis de megalomania extremas com “Be”, onde tentou “apenas” resumir a história e a alma humana, caindo depois no esquizofrênico “Scarsick”. “Remedy Lane”, no entanto, é onde podemos encontrar o melhor da mente de um cara talentoso (maluco?) como ele.
Sunn O))) – Flight Of The Behemoth (2002)
A primeira obra-prima do noise-experimental duo de Seattle. Stephen O’Malley e Greg Anderson conseguiram como poucos produzir um metal de difícil definição, sombrio, agressivo e inteligente. Colaboraram com dezenas de outros artistas e foram saudados pela mídia mainstream.
Krisiun – Works Of Carnage (2003)
Dentre os vários ótimos álbuns de death metal lançados na década, por gente como Cannibal Corpse, Obituary, Nile, etc, o power trio gaúcho merece o posto por carregar a legítima herança do Sepultura. O Krisiun faz música brutal, sem concessões, como poucos no mundo e no Brasil e conquistaram o respeito da imprensa especializada mundial por isso. Ao contrário dos mineiros, aqui não cabem experimentações, modernidades e outras “buscas”. É apenas death puro, insano, no seu estado mais bruto de lapidação, se é que me entendem.
Mars Volta – De-Loused in the Comatorium (2003)
Mesmo não sendo exatamente metal, é justo colocar o Mars Volta no balaio. Saídos do já excelente At The Drive In, Cedric Bixler-Zavala e Omar Rodriguez-Lopez conseguiram a proeza de misturar música pesada com jazz fusion, ritmos latinos, experimental, psicodélico e o diabo a quatro. De-Loused foi produzido por Rick Rubin e conta a história de um viciado em drogas de coma, na primeira pessoa. Pra ouvir chapado em todos os sentidos.
Quando “Leviathan” foi lançado, o Mastodon foi a unanimidade do ano. Todos ficaram abestalhados com a capacidade técnica e a música pesada intrincada do quarteto. O disco é baseado em “Moby Dick”, de Herman Melville, algo que fala por si só. Além disso (e sem contar o sensacional “Crack The Skye”, deste ano), o Mastodon é, disparado, a melhor banda do que se convencionou colocar no time do “metalcore”. Salva os nossos ouvidos das repetições e da velocidade muitas vezes acéfala de bandas como Killswitch Engage, Dew-Scented, As I Lay Dying e Shadows Fall. Apesar das citadas terem ótimos momentos, aqui vamos além do atletismo e do mesmo riff tocado centenas de vezes. O Mastodon atingiu o nível de respeito que goza em dia com justiça. Os ouvidos agradecem.
Pegue o que falei do Mastodon acima e jogue numa banda antiga, surgida no final dos anos 90, com um nível de insanidade bem maior. É o Meshuggah. Catch 33 é apenas uma música dividida em 13 partes. E é tão singular (esquisito? bizarro? exótico? tsc) que apenas ouvindo pra sacar. Tente a sorte.
Dark Tranquillity – Character (2005)
O chamado “death metal melódico” (ou “Gothemburg Sound”, pela profusão de bandas suecas) foi uma das melhores coisas desenvolvidas (preste atenção: desenvolvidas, não criadas) nesta década, até certo ponto. Chegou um momento em que todo mundo começou a dar seus escorregões, flertar com o new metal, fazer besteira. In Flames, Soilwork, Children Of Bodom, etc. O Dark Tranquillity não. Justamente por ser a pioneira da coisa toda, fundada ainda em 1989. E Mikael Stanne sempre foi meu vocalista favorito do estilo. Na verdade, “Haven” e “Projector” era o DT abusando da boa vontade dos fãs, com leves “modernidades”. “Damage Done”, de 2002, botou ordem na casa e este “Character” intensifica tudo de bom que DD recuperou. Uma pedrada melódica autêntica, para ouvir feliz.
Machine Head – The Blackening (2007)
O que falei sobre “escorregadas” no item anterior serve para o Machine Head. Rob Flynn enveredou por aquele thrash metal esquisito, flertando com o “industrial” (mal feito) e o new metal. Até que tomou vergonha na cara e preparou com calma o que viria a ser um dos mais aclamados álbuns da década, uma pérola do thrash metal que vale o seu tempo. Da abertura com os 10 minutos de “Clash The Fists Of Dissent” até o fim, você verá uma banda no ápice, inspirada como jamais esteve.
Metallica – Death Magnetic (2008)
Se o Iron Maiden viveu um período negro na década de 90, o Metallica foi o desbunde completo. A banda underground deixou de existir com o Black Album, de 1991. O mainstream, milhões e milhões no bolso, hits como “Nothing Else Matters” tocando exaustivamente nas rádios, todas as condições para que o vício em alcool e drogas atingisse níveis inimagináveis antes. E a ressaca durou muito. 17 anos para ser exato. Neste tempo o Metallica fez de tudo: se afundou em “Load” e “Reload”, lançou outro álbum de covers, gravou com orquestra, entrou em guerra com o Napster (e se queimou muito com isso), foi pra clínica de reabilitação, expurgou os demônios no documentário “Some Kind Of Monster”, mandou o baixista Jason Newsted embora, veio num pseudo-renascimento em “St. Anger” (2003), álbum em que conseguiram reunir tudo de pior que o metal vivera nos 5 anos anteriores, já em seu fim, com uma produção inaceitável de Bob Rock.
Tudo bem que havia boas ideias ali. Riffs, solos, músicas longas e com potencial. Mas a espinafrada foi dura e merecida. 5 anos de turnês, cabeça no lugar, um reconhecimento humilde das críticas e entrosamento com Rob Trujillo resultaram no estupendo “Death Magnetic”.
Não há segredo aqui: DM é um “…And Justice For All II”. Da capa em preto e branco a duração (sempre longas) e estilo das músicas até a produção, tudo transpira o clássico de 1988. Algo pra reclamar? Após quase 2 décadas de descrença geral, o grupo todo provou que ainda sabe soar como uma das melhores bandas do mundo, respeitando sua história e produzindo um primor de peso, técnica, feeling e o diabo. As 10 músicas de Death Magnetic conseguem suplantar todas as besteiras que o Metallica fez anteriormente. O que, claro, não é pouca coisa.
Slayer – World Painted Blood (2009)
No mínimo curioso que esta lista termine, por acaso, mas merecido, com as duas bandas pioneiras do thrash metal. O Slayer nunca foi tão longe quanto o Metallica nem sequer alcançou um décimo do sucesso dos colegas, como também jamais fez tantas concessões. O negócio do grupo sempre foi o thrash puro, rápido, pesado, com riffs e solos enlouquecedores, que fizeram escola.
Mesmo os momentos mais “questionáveis” da banda, “Diabolus In Musica” de 98 e “God Hates Us All”, de 01, sempre primaram pela essência, ali, intacta. “Christ Illusion”, de 2006 marcou o retorno do monstro Dave Lombardo na bateria.
Este “World Painted Blood”, ainda fresco, assusta. Não dá pra negar: desde “Season In The Abyss” (1990) a banda não soa tão bem, tão inspirada. Tom Araya, Kerry King, Jeff Hanneman e Lombardo são quatro caras tarimbadíssimos, absolutamente donos de seus instrumentos e do que fazem. Da abertura com a soberba faixa título até o final com “Not Of This God”, a aula de thrash costumeira está muito melhor do que as últimas investidas. Coisa para manter a adoração e fidelidade doentia dos fãs eternamente. Simplesmente não dá para ignorar o que o Slayer faz.
Foram 13. Os que, pra mim, definem, resumem e funcionam como bom guia do que de melhor o metal produziu de 2000 a 2009. Pra tentar não deixar quase nada importante de fora, vamos fechar em 30.
AC/DC – Stiff Upper Lip (2000): apesar de não estar ligado “diretamente” ao metal, o AC/DC é referência pra boa parte da turma e “Stiff” está a altura dos clássicos do grupo.
Queens Of The Stone Age – Rated R (2000): com a verve “stoner” herdada do Kyuss, o QOTSA levou um som calcado no metal para o meio “independente”, arrancando elogios da crítica, construindo carreira sólida e arrebanhando seguidores.
Napalm Death – Enemy Of The Music Business (2000): no grindcore, ninguém faz melhor do que eles. Os anos 2000 marcaram a consagração definitiva do Napalm Death, com diversos álbuns ótimos de música extrema, rápida e inteligente como poucos. É também o último disco do guitarrista Jesse Pintado (apesar de creditado, ele não tocou em “Order Of The Leech”, de 2002). Jesse, que havia voltado para o Terrorizer, viria a falecer em 2006.
Ark – Burn The Sun (2001): representa o melódico europeu na lista. A banda contava com Jorn Lande no vocal, que depois iria para o Masterplan (junto com os ex-Helloween). Além de Lande, vocalista indiscutível, o Ark tinha um time de instrumentistas absurdo: John Macaluso na bateria, Randy Coven no baixo e Tore Ostby na guitarra. É infinitamente superior a tudo que o metal melódico produziu na década, basta ouvir qualquer faixa da bolachinha.
Therion – Secret Of The Runes (2001): singular como sempre, o Therion foi um dos únicos grupos que conseguiu trabalhar vocais masculinos e femininos e “elementos sinfônicos” sem cair no pastiche e ficar insuportável. Além de ser difícil apontar banda que faça um som semelhante ao deles.
Tool – Lateralus (2001): “progressivo” que também abusa da originalidade e não soa como cópia de outros grupos, mal de 95% das bandas prog da década.
System Of A Down – Toxicity (2001): do balaio das bandas colocadas no “new metal”, o System é o que, de longe, se diferencia. Foi um fenômeno especialmente com este “Toxicity” e envelheceu melhor que as outras bandas da época. Metal mainstream com qualidade.
Angra – Rebirth (2001): apesar do Angra ser a banda que hoje em dia muita gente adora odiar, o lançamento de “Rebirth” em 2001 foi ovacionado de forma quase unânime, recolocou o grupo nos eixos, gerou hits em rádios e recuperou o legado de uma das bandas mais importantes do metal brasileiro, inegavelmente.
Kreator – Violent Revolution (2001): além de absurdamente bom, representa o thrash germânico na lista. Os anos 2000 foram o renascimento da escola germânica. Kreator, Sodom, Destruction, Tankard…todos lançaram obras acima da média, que merecem a lembrança.
Iced Earth – Horror Show (2001): mesmo sendo um dos maiores malas do metal, John Schaffer toca o suficiente para alcançar o perdão. Matt Barlow é sempre inspirado e a banda consegue fazer a ponte entre o heavy tradicional e o thrash como poucas.
Lamb Of God – Ashes Of The Wake (2004): ao lado do Mastodon, é outra que se destaca no bolo do “metalcore”. Das novas, seria simplesmente injusto demais deixá-los de fora.
Motorhead – Inferno (2004): precisa justificar?
My Dying Bride – Songs Of Darkness, Words Of Light (2004): representa o doom na lista, como ícone do gênero que seguiu fazendo bons álbuns.
Rammstein – Reise, Reise (2004): é compreensível que muitos torçam o nariz para o Rammstein. Independente das “polêmicas”, taras e infantilidades do grupo, como a letra do último single “pornô”, é inegável que se destacaram na década e fizeram sucesso para além do metal. “Reise, Reise” é meu preferido.
Behemoth – Demigod (2004): de todos os “pecados” que o black metal cometeu de 2000 pra cá, o Behemoth não caiu em nenhum. Sem as frescurices e sonoridades duvidosas de muitos de seus “colegas”, dá para ouvir os poloneses sem risco de se deparar com algo constrangedor.
Nile – Annihilation Of The Wicked (2005): é o death metal estadunidense da lista. Uma escola que produziu tanta coisa boa com Obituary, Cannibal Corpse, Six Feet Under, Morbid Angel, etc. O Nile se diferencia de todas as citadas com sua inspiração oriental e som além do óbvio.
Heaven & Hell – The Devil You Know (2009): o retorno de Tony Iommi e cia num álbum matador. Os pais do estilo. “Apenas” isso.
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