Vindos do Recife, onde surge uma banda a cada 10 minutos (o exagero é proposital), fruto da proeminente cena nordestina, a Nuda consegue, sem forçar, destacar-se no cenário.
Formada em 2006, o grupo logo tratou de lançar o primeiro álbum, o EP “Menos Cor, Mais Quem”, que os vem fazendo alcançar bons resultados, como shows por todo o país e lugar destaque em sites como o MySpace e Trama Virtual.
Bossa nova, poesia, rock, mpb, jazz, ritmos regionais brasileiros, progressivo, artes pláticas, erudito e popular? Difícil falar deles sem usar uma série de referências, que se refletem na música rica, repleta, sim, de cores e pessoas, do espontâneo e do metódico. Plural mas não gratuita, orgânica e não artificial. É assim que o Nuda quer chegar a seu público, seja ele quem for.
Movin’ Up – Primeiro, uma pergunta básica, quem de vocês foi o primeiro a ter a infeliz idéia de tentar viver de música? (risos) De onde cada um veio antes de formar o Nuda?
Rapha e eu (Scalia) nos aturamos faz uns 15 anos. Começamos como todos: banda de adolescentes pra tocar rock, grunge, heavy, etc. Na época de universidade, conheci Henrique, e logo estávamos os três dentro de um estúdio, um power trio. De fato, houve uma hora em que o “caldo” foi ganhando consistência e, com a entrada de Dossa – na época amigo de Henrique e Rapha – o ciclo se fechou. Era início de 2006. Poucos meses de ensaio bastaram para sentirmos na pele que estávamos no caminho certo: parir arte. A “infeliz idéia” veio uníssona para todos, como conseqüência. Ou seja, se é pra ser louco, melhor estar em cambada, não? (risos)
Movin’ Up – Uma provocação: o release da banda diz que “somos uma banda nua, que prefere não se “vestir” de formatos, prefere não se prender aos moldes e limitações” e “trabalho meticuloso nas letras, em seus jogos e facetas, em harmonias ousadas e na constante preocupação em driblar o óbvio”. Não é muita pretensão pra tão pouco tempo de estrada?
É engraçado, Maurício, porque acreditamos que essa batata quente de descrever bandas e sonoridades, na verdade, assa no colo dos ouvintes, apesar de caber a nós escrever o release. Vejamos sob esta ótica: você, por exemplo, descreveu bem as referências da nossa música ao dizer que ela agrega “bossa nova, poesia, rock, mpb, jazz, ritmos regionais brasileiros, progressivo, artes pláticas, erudito e popular”. Tal descrição já não remeteria a algo de difícil classificação? Algo sem moldes fixos, sem fronteiras bem delimitadas? Ou seja, batata quente!
Quanto às letras, assim como nas harmonias, posso falar que, de fato, o trabalho é meticuloso, pra não dizer penoso. Coisa de perseguir durante meses as palavras e acordes mais apropriados. Por isso não julgo pretensão afirmar isso. É o nosso método. É que calhou de sermos assim mesmo.
Movin’ Up – Há uma evidente preocupação com o aspecto visual da banda, no sentido da arte tentar colocar o ouvinte em certo ambiente. De que forma a arte gráfica se harmoniza com a sonoridade e o que busca provocar?
Antes de tudo, é preciso dar a César o que é de César: nenhum traço estaria aí, não fosse o talento do nosso grande Daniel, responsável pelas artes visuais do EP e do Myspace. Temos sim um apreço especial pela manifestação gráfica, já que ela é mais uma arma para agregar beleza e significados. Por isso fizemos questão de debater com Daniel uma forma de representar visualmente o conceito central do EP, o dito “menos cor, mais quem” – uma busca por tutano existencial e densidade artística acima de tudo – além de representar algumas nuances de suas canções. (Des)colorir canções é algo lindo, já que podemos tecer outras margens ao som. Esse foi o objetivo e acho que conseguimos um resultado legal. Simples, porém sinérgico à arte.
Movin’ Up – Na esteira da pergunta anterior: como as influências não-musicais influem nas composições? Literatura, cinema e (porque não?) até gastronomia vêm à mente na audição de “Menos Cor, Mais Quem”.
E elas estão todos lá! Em planos inconscientes, tudo é influência, da canção que ouvimos na infância ao papo ontem na fila do banco. Descrever como isso funciona não dá. Mas sentimos sim que até trilha sonora de Akiro Kurosawa se funde na nossa mistura.
Movin’ Up – Chega a ser curioso a vastidão de influências sonoras que vem a mente na audição do álbum. Enquanto “Deus As Estéticas” é uma bossa que flerta com o plácido, num clima bucólico de interior, “Fato: Mamado Vado” parece mergulhar profundamente no rock progressivo, no krautrock e no jazz. É por aí mesmo ou estou indo longe demais em meus apontamentos?
Quanto mais longe você for, maior nosso sorriso.
Movin’ Up – Dada essa diversidade, como o público da banda tem se mostrado até agora? Como é a reação nos shows?
No início, quando fazíamos shows para um público que não conhecia as canções, a reação vista do palco era, no mínimo, engraçada: todos meio estupefatos, como se tentando processar “o que danado é isso?”. Com a divulgação do EP, ou seja, com um público já mais ciente da proposta e com as canções devidamente digeridas, começaram os coros, olhos fechados, aplausos calorosos, etc. Mas apesar disso ser muito bom pro ego, a gente tenta seguir o conselho do mestre Miles Davis: nunca toque pelos aplausos. (conselho ingrato esse!)
Movin’ Up – A Nuda parece um grupo sofisticado o bastante para agradar aos ouvidos mais críticos (e mais chatos) bem como embalar o “pop” e aproximar a música brasileira mais rebuscada do ouvinte comum. É esta a idéia?
Isso talvez seja uma conseqüência da nossa proposta, mas não que busquemos isso ativamente. Posso estar sendo radical, mas acho que nenhum artista que se preze deva criar algo em função da opinião ou repercussão externas. Apenas cria, mas ao criar – e eis o ponto central – precisará doar seus filhos aos outros, para fechar o ciclo emissão-captação. O resto é conseqüência.
Movin’ Up – O aspecto regional sempre foi forte no “indie” vindo do Nordeste. A Nuda não nega essa tradição, mas, ao contrário, faz um uso orgulhoso e inteligente dela, conseguindo ser criativa e equilibrada. Há essa espécie de pressão não-dita para as bandas daí terem essa veia regional? Foi algo natural para vocês?
Muito pertinente a pergunta, Maurício. Realmente no passado houve um período onde se notou algo como uma “pressão velada”, devido principalmente ao sucesso e projeção do movimento manguebeat (apesar de esse ter sido constituído também por bandas que não misturavam nada, como o Devotos). Os olhos do país/mundo se voltaram para cá, mas buscando justamente referências dessa mistureba proposta. Contudo, as novas gerações souberam lidar bem com isso, demonstrando que, se misturam, é simplesmente porque vivem as circunstâncias culturais riquíssimas daqui. A Nuda é apaixonada por Seu Biu Roque, Siba e a Fuloresta, cavalo-marinho, tanto quanto pelo rock, bossa. É natural mesmo que as coisas se fundam.
Movin’ Up – Quais os planos para 2008? Músicas novas já estão surgindo? Como é o processo de composição no grupo? Obrigado pela entrevista e sorte na caminhada.
Se tudo correr bem, queremos fechar 2008 com alguns festivais importantes na bagagem, outra turnê pelo Brasilzão e com o nosso próximo trabalho na ponta da agulha. Isso é que é pretensão, né? (risos) Estamos trabalhando novas canções sim, algumas já serão tocadas nessa turnê. Ao final dela, pretendemos entrar no casulo criativo do estúdio e começar a derreter as cucas burilando as canções. Derrete mesmo, já que nosso processo é uma espécie de anarquia organizada: leva-se a canção-base (voz e violão) pro estúdio. O resto é uma série de jam’s, debates, inserções, testes de timbres.
Por fim, queria agradecer a Movin’Up pelo espaço aberto e pela ótima entrevista, Maurício. Para quem quiser ouvir as canções, debater sobre arte e afins, ou só passar um tempo navegando: www.myspace.com/sitionuda