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Numismata e os meandros do samba paulista

Uma boa maneira de pensar o som do Numismata é olhar para os 6 malucos da foto aí acima.  Ao mesmo tempo em que vão na esteira do samba – seja soando como marchinhas do carnaval de rua de antigamente seja numa veia estranhamente `moderna` – colocam muitas outras coisas na brincadeira. Rock, alternativo, pop…um ar retrô contemporâneo longe de soar forçado como a maioria.

O novo álbum, “Chorume”, vem 6 anos depois do último, “Brazilians On The Moon”. Tempo suficiente para muita coisa ter mudado na carreira deles. Se Brazilians trazia a participação de Jards Macalé, “Chorume” conta com Luiz Melodia para puxar uma das melhores faixas nacionais do ano: “Prejuízo”. As 10 composições do disco passeiam por muitas praias, quase todas acertadas. E um exemplo simples de sua imensidão calculada é a instrumental “Fernando”, que encerra a farra. Coisa fina que cai muito bem aos ouvidos e exalta o talento e a criatividade do grupo, de luz própria no cenário nacional.

Adalberto Rabelo Filho, fundador e guitarrista da banda, respondeu 5 perguntas exclusivamente para a Movin’ Up. Fugiu das respostas preguiçosas e revelou os conflitos, as matizes, a busca e parte da essência deste novo trabalho. Leia, deguste e ouça.

Movin’ Up – “São Paulo é o túmulo do samba” é uma frase clássica, arbitrária e, claro, preconceituosa. Como o Numismata segue na tradição do samba paulista e no caldeirão de outras referências deste novo álbum? Como a cidade influencia no som de vocês?

Adalberto Rabelo Filho  – Eu não sei se a gente segue exatamente uma tradição. São Paulo tem redutos de samba que geraram ícones importantíssimos, claro, desde o Geraldo Filme até o Eduardo Gudin, passando pelo Adoniran e pelo Vanzolini, que a gente respeita e curte, mas eu penso que não foi no sentido de resgate que a coisa funcionou. Não foi algo que surgiu de caso pensado, como um manifesto. Foi rolando. Misturou meio que sem querer, quase. Aquela coisa: se é natural ouvir diversas músicas e estilos no shuffle do Ipod, por que não faria sentido que isso se repetisse na hora de misturar os ingredientes na panela?

Em relação a Sampa, o que deve é existir algo que a gente pode, de repente, dar o nome de “alma paulistana”, uma São Paulo arquetípica pela qual todos da banda resvalamos de alguma forma, por morarmos nela. Acho que é assim que a cidade e suas idiossincrasias acabam por nos influenciar:  na medida em que fazemos parte dela e, ao buscar retratar o nosso cotidiano, inconscientemente nos remetemos, eventualmente, a ela. Tanto no sentido de abraçar quanto de repudiar. Acho que é assim que tem que ser, a coisa tem que fluir naturalmente. Penso que quanto mais pessoal uma obra de arte, mais universal, porque se a gente fala de algo que conhece, fala com mais propriedade. Aí as pessoas que se identificam fazem a analogia a sua própria cidade, a situações de sua vida. E quanto mais abrangente se tenta ser, mais chance se tem de errar, porque pra ser abrangente acaba que é preciso sacrificar algumas nuances.

Movin’ Up – Além da cidade, que peso a literatura, o cinema e outros cheiros, cores e sabores tem no caldo do Numismata? Como cada um contribui pra isso?

ARF  – Muita influência, claro, indireta ou diretamente. Mas não saberia precisar exatamente a contribuição específica de cada tempero, porque isso seria ter total controle de um processo que, para acontecer, tem grandes doses de contribuição do nosso inconsciente. Por exemplo, eu gosto bastante de ler e espero que alguma coisa da essência do que me faz gostar do texto de autores como Will Self, Nick Cave, Carlo Ginzburg, Câmara Cascudo, Agrippino de Paula, García Marquez, Cabrera Infante, sei lá, acabe transparecendo no que eu faço. Mas acho que o mais interessante é que existem essas outras matizes que se imiscuem alheias à nossas percepções primordiais que são as associações que você faz e nem percebe com outras coisas que você leu, viu, viveu, assistiu, pensou durante a sua vida e que também são você, também te representam e moldam, com a mesma importância e peso, a sua visão singular de mundo.

Movin’ Up – São 6 anos desde o último álbum. Muita coisa, naturalmente, mudou. Desde alguns integrantes até as próprias experiências de vida. Como foi transpor isso para o estúdio e ao vivo?

ARF – Foi como se a gente tivesse gravado uns cinco discos diferentes, mesmo. Ou melhor, cada música é um disco diferente, é uma fotografia de um momento diferente.

Movin’ Up – Com um olhar crítico sob o filho: quais os principais momentos de “Chorume” para vocês? Aquelas faixas que recomendariam para alguém que fosse descobrir o seu som agora?

ARF – Com certeza, “Prejuízo”! Luiz Melodia aditivado pela guitarra do Thadeu e a banda matando a pau. Fora que o André dobrou o “solo” do Melodia na guitarra, demais! Depois “Todo Céu…”, que é uma balada que não resvala no sentimentalismo e tem várias mudanças de clima e dinâmica, além de uma letra forte. E, claro, “Tanta Saudade”, cuja harmonia – do Carlos H. – é uma obra-prima construída na forma de um palíndromo.

Movin’ Up – Luiz Melodia, Maria Alcina, Tatá Aeroplano, Kassin. As participações indicam quão bem acompanhado vocês estiveram. Como pensaram a dança com cada um deles? E, por fim, qual a sensação final com o álbum em mãos e a turnê que está por vir?

ARF – A gente convidou eles para dançar e eles aceitaram, ufa. É gente que a gente admira, com quem quer aprender. É a melhor recompensa por nosso trabalho. Além de um alívio supremo de ter o disco em nossas mãos, a gente sente um grande orgulho desse filho de gestação tão trabalhosa, mas que tem sido muito bem aceito, de uma maneira geral.  E, quanto à turnê, que venha mesmo que a gente tá é doido pra sair dando uma de pai coruja Brasil – quem sabe no exterior, também – afora.

Trama Virtual

Published in Destaques Entrevistas