Depois de dois EP`s com repercussão tímida na cena independente, o Apanhador Só foi pinçando participações esporádicas em shows e programas fora do sul do Brasil até a “alforria” em 2010. O primeiro disco completo de estreia, auto-intitulado, revela uma banda madura o suficiente para compor peças que vão um pouco além do manual indie, como “Prédio” e “Balão de Vira Mundo”.
Sem falar no “hit” em potencial, “Maria Augusta”, o Apanhador Só vem fazendo barulho bom, acompanhado de shows cada vez mais frequentes em São Paulo. Sobre a estreia e o momento atual da banda, o vocalista, guitarrista e principal compositor do grupo, Alexandre Kumpinski, falou com a Movin’ Up.
Movin’ Up – “Música popular com espírito aventureiro”, se uma definição é necessária (e quase sempre, no fundo, é) esta é a mais certeira para descrever a banda?
Provavelmente sim. Nunca conseguimos descrever o nosso som em poucas palavras, e quando essas surgiram pelas mãos da Pamela Leme, que foi quem escreveu nosso release, nos pareceu que finalmente tínhamos uma definição curta satisfatória. Nossas composições seguem, de alguma forma, a tradição da “música popular” brasileira e o experimentalismo nos arranjos, instrumentos e timbres é o que caracteriza nosso “espírito aventureiro”.
Movin’ Up – Como o uso dos instrumentos de percussão “incomuns” – roda de bicicleta, etc – é usado não de forma gratuita, pra soar “cool”, mas trabalha realmente em favor da música?
A sonoridade desses instrumentos acrescenta detalhes interessantes nas músicas que muitas vezes não são percebidos numa primeira ouvida. Isso acontece porque a gente só introduz percussão-sucata nas músicas quando essa percussão entra em sintonia com o resto dos instrumentos, se misturando bem a eles. Tem vezes que a gente experimenta alguma sucata que acaba mais atrapalhando uma música do que ajudando; nesses casos, a gente acaba não usando percussão. Enfim, há de se ter o cuidado primeiro com a música como um todo pra depois focar na individualidade de algum instrumento. É assim não só com a percussão, mas com o baixo, com as guitarras e com a bateria também.
Movin’ Up – Embora naturalmente semelhantes pelo timbre das guitarras e estruturas, as composições primam por certa diversidade harmônica e melódica. Como é fazer o cozido de referências, ideias e desejos de cada um? Há um norte comum definido?
Não há um norte comum definido. E talvez por isso mesmo seja mais fácil do que parece fazer esse ensopado de referências. A gente se reúne, eu mostro uma música nova, a gente saca os instrumentos e vai tocando livremente até o arranjo ir se definindo, num processo onde não se distingue muito bem de onde as idéias surgem e que caminho elas percorrem até chegarmos a um arranjo definido. Com cada qual munido de suas próprias referências, o baixo faz uma linha que influencia a bateria, que muda a guitarra, que se molda com a outra ou tudo ao avesso, sem nunca antes definirmos se vamos fazer daquela canção algo que se pareça um reggae misturado com gypsy jazz ou seja lá o que for. As músicas vão brotando de uma maneira que não temos como entender direito, e isso acaba nos deixando livres. Ou é a nossa liberdade que permite que o processo seja assim, não sei.
Movin’ Up – O rock/pop gaúcho tem bastante tradição e às vezes pode soar até como uma maldição/obrigação, tachando o que vem daí antes de qualquer coisa. Mas a banda não parece se preocupar com isso e tampouco carrega essa marca. Há cobranças em ser “x” ou “y”? (até do público) Como funciona para vocês neste sentido?
Não há nenhuma cobrança, ainda bem. Se houvesse, imagino que a gente não daria bola pra ela, de qualquer maneira. Talvez, há alguns anos atrás, a gente tenha sentido algum tipo de rejeição por parte de um ou outro segmento de público/bandas daqui por fazer esse rock meio misturado com música brasileira, que foge à tradição gaúcha que tu citou na pergunta. Mas faz bastante tempo a gente já não sente isso em nenhuma instância. O público daqui, num geral, parece estar cada vez mais curioso, cada vez mais disposto a conhecer o que tá acontecendo no mundo, e isso parece ser só positivo.
Movin’ Up – Depois de dois EP’s, como é chegar finalmente ao primeiro disco cheio? A produção é excelente, sem exageros e dando espaço para cada instrumento respirar e se apresentar. Como foi extrair o melhor de um orçamento reduzido (imagino) e qual a participação do produtor na brincadeira toda?
Gravar esse primeiro disco era uma coisa que a gente já tava querendo fazer desde 2008 ou antes, mas demorou pra conseguirmos o dinheiro necessário pra que tudo ficasse do jeito que a gente queria. O orçamento não foi tão reduzido porque a gente conseguiu, depois de algumas tentativas, financiamento do Fumproarte (Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre), que foi o que nos permitiu gravar num estúdio bom e contratar um bom produtor. Marcelo Fruet é esse produtor e ele se fez presente em todas as etapas do processo do disco, desde os ensaios da pré-produção até as últimas mixagens e masterizações. Ele se envolveu bastante com as músicas, e o resultado final nos agrada muito. A gente tem muito a agradecer ao Fruet por tudo o que tem nos acontecido de bom desde que lançamos o álbum.
Movin’ Up – “Prédio”, “Maria Augusta”, “Balão de Vira Mundo”, “Jesus, O Padeiro e o Coveiro”, “E Se Não Der?” são as melhores do disco pra mim. Gostaria que falassem um pouquinho sobre a relação da banda com cada uma.
“Prédio” foi a música que mais cresceu durante a gravação do disco. A gente já gostava dela antes, mas conforme a gravação foi tomando corpo, fomos percebendo a verdadeira força dela. Só por curiosidade, essa foi a única música que gravamos sem metrônomo.
“Maria Augusta” é uma das nossas músicas mais antigas. Ela era, de uma maneira natural, a música carro-chefe do nosso primeiro EP (Embrulho pra Levar) e já nos abriu muitas portas. Foi com ela que ganhamos o Festival de Bandas do Trama Universitário em 2006, por exemplo. E apesar de ser uma música mais “velha”, a gente ainda curte bastante tocar ela.
httpv://www.youtube.com/watch?v=-qHeLciz14M
“Balão de Vira Mundo” teve um tango incorporado a ela no processo de pré-produção do disco. Ela foi composta há muitos anos, antes mesmo do Felipe entrar na banda e, curiosamente, a música é dele também.
“Jesus, O Padeiro e o Coveiro” foi uma das únicas músicas que surgiram a partir de uma improvisação da banda em um ensaio. Depois a letra foi feita, fazendo esse jogo entre a figura do Jesus, o padeiro que teria feito o pão que ele milagrosamente multiplicou e o coveiro que teria sepultado seu corpo depois da crucificação.
“E Se Não Der?” é uma música que surgiu a partir do poema “Coversa Informal com o Espelho” do Diego Grando, que também é co-autor na música “Prédio” e “Nescafé”. É um poema muito bonito que acaba com esse questionamento fundamental (que fecha o disco com elegância): E se não der? Eu choro ou continuo no faz-de-conta?
Movin’ Up – Apesar de algumas saídas anteriores, 2010 parece marcar a “encorpada” do grupo em shows fora do sul do país. Como está sendo a recepção e a experiência crescente nos palcos?
A recepção tem sido ótima! Tanto em relação ao disco como em relação aos shows. A gente nunca tinha viajado tanto em tão pouco tempo e feitos tantos shows perto um no outro, o que dá um entrosamento ótimo pra banda. Tem sido o ano mais produtivo e mais divertido pra banda, com certeza.