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Heróis ou coitados?

Desde que eu tenho idade suficiente para acompanhar as Olimpíadas, o cenário é o mesmo: cria-se uma enorme expectativa para o desempenho do Brasil, acredita-se que o resultado superará sempre o anterior e depois que os fracassos são empilhados, as justificativas chegam pesado.

Nossa mídia esportiva, pacheca, burra, incompetente e histriônica, trata na maioria das vezes em relativizar os resultados pífios e exaltar os atletas como “heróis”, “gente sofrida e determinada”, que se dedica profundamente “sem nenhuma estrutura e investimento” para tentar “fazer um milagre” na Olimpíada e conquistar medalhas perante todos os outros fortíssimos países do mundo. Pobre Brasil.

Atleta não é herói. Nenhum é. Muito menos coitado. E se o discurso onipresente e imutável da “falta de investimento” e de “estrutura” pode ter sido verdade um dia, está muito distante da realidade atual. O Comitê Olímpico Brasileiro investiu R$ 790 milhões de reais no último ciclo, de 2009 a 2012. Repito e tente absorver a magnitude do número: 790 MILHÕES DE REAIS. Quase 1 BILHÃO de reais nos esportes olímpicos.

Abre aspas:

Desde 2009, só o ministério investiu em convênios (R$ 200 milhões), renúncia fiscal (R$ 433 milhões) e gastos diretos (R$ 333 milhões), num total que chega quase à casa de R$ 1 bilhão.

Além disso, o COB recebeu de dinheiro público, por verbas da loteria, mais de R$ 421 milhões. A média anual foi de R$ 140 milhões, contra R$ 89 milhões em 2007 e 2008.

Isso sem contar os patrocínios estatais para confederações e atletas. Na comitiva brasileira de 258 competidores em Londres, cerca de 40% recebem bolsa-atleta.

Abre outra aspas:

Não há números consolidados ainda, mas cerca de R$ 558 milhões vieram da Lei Agnelo/Piva, principal verba destinada pelo governo federal ao esporte brasileiro, que conta ainda com o auxílio de convênios com o Ministério do Esporte, Leis de Incentivo e o programa Bolsa Atleta, entre outros.

Na comparação com o investimento estatal nos quatro anos anteriores – de 2005 a 2008, visando Pequim – representa um incremento de 77%. Para as disputas em território chinês, o COB contou com R$ 314,7 milhões graças à Lei, sancionada em 2001 e que prevê o repasse de 2% de todas as loterias federais ao órgão.

Os repasses governamentais contemplam também o desporto escolar (10%) e o universitário (5%), além de outras demandas da entidade. O grosso, no entanto, é injetado em estruturação, contratação de treinadores e suporte aos atletas de alto rendimento. E distribuído para as confederações seguindo critérios técnicos – como chances de medalha, por exemplo.

No gráfico:

Apenas isso destrói com 99% do discurso de vira-lata da mídia, dos atletas e treinadores. Acaba com o papo de vítima, de sacrifício, de “herói”. Não os exime de cobrança. Como boa parte deles ficaram putos da vida por serem cobrados nas redes sociais: seja a delegação do judô, Fabiana Murer e outros. Que expressaram publicamente seu desagrado. Nossos sofridos heróis não podem ser questionados nunca.

Parece-me óbvio constatar que, sim, muitos esportes brasileiros recebem investimento, estrutura e apoio mais do que adequados. Que recebem um ótimo salário para se preocupar somente em treinar e fazer o seu trabalho. Em tese, aquilo que amam. Até onde eu sei, este é o melhor dos cenários que um ser humano pode querer. E que raramente acontece. Ganhar um bom dinheiro e ser reconhecido por fazer aquilo que ama, podendo se dedicar 100%.

Ninguém disse que é fácil. Essa é outra história. E o Brasil, como uma das maiores economias do mundo, tem investido pesado no esporte. Infelizmente, nosso resultado olímpico é pífio. Absolutamente ridículo para o nível de investimento e tudo indica que continuará assim.

Talvez o dinheiro não seja alocado nos locais certos. Sou filho de professora de Educação Física, pós-graduada em treinamento esportivo na UFMG, que passou os últimos 30 anos da sua vida ensinando educação física em escolas públicas do interior e depois em Belo Horizonte. Acho, portanto, que tenho um envolvimento e uma experiência real bastante razoável para o que digo.

Falta investimento e um plano de educação física escolar realmente efetivo, com estrutura real. O que está a anos-luz de acontecer. E também no esporte universitário, que é igualmente inaceitável. Como vimos, o investimento no esporte escolar e universitário, somados, representa apenas 15% do total. 

É pouco e acontece na prática há pouquíssimo tempo. Que esse ciclo não seja abandonado imediatamente após as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, que é o que tende a acontecer.

Apesar disso, o povo, com todo o toque de cornetagem, maldade e brincadeira que as redes sociais proporcionam em tempo real, tem todo direito de emitir sua opinião, de ficar frustrado com alguns resultados e não se contentar com as toneladas de bronze. Os atletas precisam parar imediatamente com o discurso de coitadinhos e de heróis, porque não são nada disso. E aprender a ouvir críticas e cobranças.

Passou da hora de virarmos a chave. Em todos os sentidos possíveis.

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BBC: How much does a gold medal cost?  : matéria da BBC investigando a relação direta entre os investimentos e resultados. A GBR investiu 264 milhões de libras neste ciclo olímpico, equivalente aos nossos R$ 790 milhões e colheu, até agora, 24 medalhas de ouro e 51 no total.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Esportes