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A onipresente síndrome da nostalgia

Imagem: The Memorist

Minha geração – a turma entre meados dos 20/30 anos – é um bicho engraçado. Fomos ensinados desde sempre que a música atual não presta e o que tem valor é só o que foi feito no passado. Na verdade, isso não é uma exclusividade nossa. Esse “fenômeno” atinge desde os 40 +, por motivos óbvios, até os adolescentes. É incrível que um moleque de 15 anos seja acometido da síndrome da nostalgia. Mas é o que acontece. Não só na música, mas na maioria das formas de arte, vigora o pensamento que eleva sobremaneira tudo que é antigo e já passou pelo teste do tempo e despreza tudo o que é novo e da nossa época.

Isso vai, muito em parte, pela nossa mania de olhar para o passado com óculos encantados. Tudo parece melhor depois que já passamos por aquele momento, não estamos envolvidos diretamente e, claro, agora temos um distanciamento que já solidificou nosso senso crítico, separou normalmente o que era bom e a maioria da produção ruim (sempre a maioria, talvez uns 90%) foi naturalmente esquecida.

Um breve giro por diversos estilos musicais no You Tube comprova a tese com facilidade nos comentários postados. Vejamos:

httpv://www.youtube.com/watch?v=wLBpLz5ELPI

Comentários: “back when music had balls!” – “I would love to be there but I’m stuck in this generation of stupidity and crappy music”

httpv://www.youtube.com/watch?v=fOYHfvREq_8

“Funk ja foi bom, hoje em dia so tem lixo falando de putaria… Saudade dessa época :/” / “o funk de hj é uma merda”

httpv://www.youtube.com/watch?v=B3nAXARhMLg

“Viva ao samba de RAIZ!”

httpv://www.youtube.com/watch?v=Do5MMmEygsY

“What… The… Fuck happen to hiphop ? WHY WAS I BORN TO THIS STUPID GENERATION !”

Dá pra seguir a trilha infinitamente. Como dito, o motivo é fácil de descobrir. Com o tempo, só fica a polpa. O presente é sempre difícil demais para ser compreendido em sua totalidade. Fazer o filtro por conta própria é sempre mais complicado do que ter tudo já entregue: o cânone mastigado e aprovado, as listas e o arcabouço crítico e popular dizendo o que é bom ou não é. Grosso modo, com todas as distorções e absurdos que cometem, eles estão geralmente certos.

Michel Laub abordou exatamente esse tema numa coluna de fevereiro desse ano respondendo à um texto da Carta Capital que sofre dessa síndrome. Afirma ele:

“Se falamos em indústria cultural, é lógico que ela terá menos poder numa época de hiperprodução descentralizada. Nos anos 1980, quando se tinha notícia de uma parte bem maior do que era lançado, a “crítica de peso” até tinha elementos para dizer que nada prestava (e dizia, lembro bem). Hoje, diante de um panorama infinito de artistas, obras e gêneros, que vão dos quadrinhos aos instrumentistas eruditos, do rap ao vídeo experimental, fazê-lo requer limitar a análise ao “mainstream” ou cair num reducionismo pretensioso.”

Cair nessa simplificação tão rasteira é sucumbir perante a mediocridade reinante do senso comum. É afirmar não a suposta “má qualidade” da produção cultural atual, mas a sua total incapacidade e interesse em descobri-la.

Lembro perfeitamente da troca de emails com um amigo, em 2005 – lá se vai quase uma década – e que tomo a liberdade de reproduzir parte aqui:

Gosto muito da concepção grega de originalidade. Os gregos viviam num mundo em que não havia o conceito de história como acúmulo de desenvolvimentos. Para eles, o mundo era sempre o mesmo, repetindo-se numa circularidade infinita. Logo, a questão da anterioridade não era o que determinava a boa recepção que um artista recebia, mas a qualidade intrínseca de sua obra. Original não era quem tinha uma idéia primeiro, mas quem tinha essa idéia melhor desenvolvida. As narrativas eram sempre as mesmas, mas o artista mais apreciado era aquele que sabia melhor como apresentá-las ao público e torná-las significativas, explorando com mais profundidade as dimensões ocultas do tema. Resumindo, o original não era o primeiro, mas o mais verdadeiro. É claro que, sem saber, ao começarem com essa brincadeira, os gregos estavam justamente fazendo história e mudando seu mundo.

Nossa situação hoje é inversa, temos atrás de nós um gigantesco acúmulo de conquistas e também de tragédias, a história não parece estar no começo e sim no fim, num momento de decadência em que tudo já parece ter sido feito, tudo já parece ter sido dito e todas as idéias testadas. A indústria cultural absorveu a arte e institucionalizou a reciclagem. Tudo é cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia (basta usar ctrl c, ctrl v) ; mesmo a tentativa de ser original é uma cópia da idéia de ser original.

Vale lembrar essa outra obsessão: a busca cega pela “originalidade”. Sobre música, especificamente, o mapa que fiz da última década parece um bom começo para tentar superar essa síndrome de nostalgia que teimamos em absorver. E, claro, essa seleção não é nem 1% do que foi feito.

O fetiche em supervalorizar o passado é uma mistura de memória afetiva e preguiça em descobrir o presente. Coroado pela desculpa onipresente da “falta de tempo” que a modernidade convenientemente nos oferece.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Grandes Ninharias