Ver o Transborda levando ótimo público para a Praça da Estação e outros picos durante 3 dias de shows e 1 semana inteira de atividades (debates, workshops, etc) certamente dá uma ponta de alegria para quem acompanha o que chamamos de “cena independente” em Belo Horizonte. Sim, foi feito com R$ 160 mil reais de verba pública da prefeitura via lei de incentivo. Não teve nada de graça ali. Cada presente arcou do próprio bolso o custo da brincadeira. A verba, em si, é muito ou pouco? Considerando o cachê irrisório que cada banda local recebeu e a remuneração certamente pequena que as principais atrações levaram, pode ser muito. A estrutura do festival comportou toda essa grana? Reverteu no mínimo o mesmo para a cidade? Como quantificar o impacto econômico e cultural que o evento teve e deixará? É complicado, mas estas questões são necessárias.
A saraivada de perguntas serve para fugir do “foi tudo uma maravilha, gente jovem reunida cantando diferentes estilos musicais numa praça aberta em clima de união e alegria único” que circula por aí. O meio “independente” – e isto é extremamente irônico se você observar a natureza do negócio – costuma lidar muito mal com críticas. Ou, antes disso, com o simples questionamento de coisas naturais que devem ser questionadas. “Lidar muito mal” é um eufemismo. Contra-atacar raivosa e desesperadamente com o único intuito de “provar” sua “incontestável” habilidade em produzir algo “benéfico” de modo “viável” e “justo” costuma ser a postura mais comum. Não há dialética nesse meio. Não há porque a opressão do discurso pastiche marxista de araque atinge todas as “esferas” da “cadeia” de produção – e de pensamento – da turma. É pena.
Se você conseguiu chegar até aqui sem criar espuma na boca e com a capacidade de “refletir um pouquinho fora da caixa”, é algo a se comemorar. Digo o que digo de cara limpa e com a separação natural que sempre busquei de estar dentro e fora desse esquema. De não “vestir camisa” nenhuma. De tomar muito cuidado para não me contaminar com qualquer “bandeira” e deixar que isso afete minha cabeça. De conhecer boa parte dos envolvidos mas procurar manter a posição de corpo estranho a tudo isso. Primeiro porque nunca fiz questão de me aproximar de ninguém efetivamente, de “construir relações” por interesse e depois porque estive fora de BH praticamente nos últimos 2 anos, vivendo entre Brasília e São Paulo. Mas sempre acompanhei tudo de perto, seja visitando constantemente a cidade, seja via internet e tudo mais.
Lembro bem do primeiro email que deflagrou a posterior fundação do coletivo Pegada, lançado por Lucas Mortimer, do StereoTaxico, em 07 de junho de 2008. Em letras garrafais, o mote: CRIAÇÃO E FORTALECIMENTO DA CENA DE ROCK INDEPENDENTE DE BELO HORIZONTE. A origem do interesse de Lucas foi o Seminário Prático de Música, realizado pela Casulo Cultura, onde o chapa Marcelo Santiago, do Meio Desligado, trabalhava. Naquele momento o Fórceps, coletivo de Sabará, tocado por ele, pelo irmão e por uma turma boa já atuava forte e iniciativas como o BH Indie Music e o Festival Outrorock, dentre várias outras, começavam a aparecer.
Mandado para uma lista que atingia diversos produtores de eventos, jornalistas, membros de banda da cidade, etc, o email gerou discussão válida e diversas contribuições que se transformaram, também, no Pegada. Pouco mais de 2 anos após o email, sem dúvida é interessante e merecedor de palmas observar como conseguiram fazer um festival estreante como o Transborda já com boa musculatura, num importante espaço da cidade, todo com bandas de nome no máximo razoável para o público em geral, apresentando diversos grupos em vários locais e conseguindo ótima resposta disso. Sem dúvida Minas Gerais tem uma tradição musical riquíssima – pouco ou nada explorada – pela maioria das bandas, que tem outras referências, indo do seu gosto pessoal apreciar ou não. Hardcore, pop, MPB, hip-hop, metal, indie, black music, etc, todos estiveram representados no evento. Algo sempre positivo.
Na sexta feira pude conferir apenas a incrível movimentação em torno do Nelson Bordello, nova casa alternativa da cidade, pertinho da Praça da Estação. A sensação era de que algo muito interessante ou relevante estava acontecendo ali. Havia uma boa vibração no ar, dessas que BH consegue proporcionar às vezes. Sábado vi o Vendo 147, de Salvador, com um bom e repetitivo rock instrumental, o show morno do Constantina, com a participação do Kayapy, do Macaco Bong e metade da apresentação do Dead Lover’s Twisted Heart, grupo derivativo ao extremo mas que conta com a simpatia de muita gente, produtores, formadores de opinião e público.
Domingo o Eminence apenas comprovou a força monumental que o metal tem em Belo Horizonte, por motivos óbvios e históricos, foi apresentação aguardada e reverenciada, levando ótimo público. BNegão e os Seletores de Frequencia, que sempre acrescentam, fizeram um belo concerto de encerramento, com o punch e a empatia que a presença de BNegão e sua trupe costuma causar. Um encerramento – adiado várias vezes com pelo menos dois “bis” – digno de tudo que foi construído. Teve muito mais, que não pude ver por outros compromissos.
Descontadas as questões relevantes de financiamento, cadeia, mentalidade, etc, e o ego gigantesco de muita gente, difícil contestar que o saldo do Transborda é positivo. Se lá em 2008 tentávamos descobrir a melhor maneira para movimentar a cena musical tão rica da cidade, não resta dúvidas de que ainda estamos tentando, com frutos notáveis pelo caminho. O Transborda talvez seja o feito recente mais forte deles. O processo é naturalmente complicado, cheio de entraves, discussões, algumas feridas, muitos erros, tropeços e acertos. Tá bem melhor do que era. Pode ser muito mais. Manter a mente aberta a críticas e capaz de reconhecer as próprias falhas sem cair em disputas pessoais que não acrescentam nada nem contribuem com coisa alguma me parece o melhor caminho para chegar lá.
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