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O indie vai bem, falta avisar o público

Duas frases chamam a atenção nessa boa matéria de Marcus Preto sobre a eterna “nova cena MPB” do Brasil, recém-publicada. Abre aspas:

“O disco da Tulipa já vendeu mais do que os últimos de Caetano e Gil. O do Criolo quase supera o da Madonna.” João Paulo da Silva Bueno, coordenador da categoria de música da Livraria Cultura.

“Tulipa? É banda internacional? Acho que não tem não. Mas tem seleção de música black: o que não falta é crioulo”, diz Wanderley dos Santos, dono de uma banca de CDs piratas na rua Barão de Itapetininga.

Os dois comentários não poderiam ser mais representativos sobre a cena “independente” brasileira. Ela vai bem, é verdade. Nunca teve tantos espaços para tocar, de inferninhos a grandes e médios festivais, em todas as regiões do Brasil, tanto patrocínio de empresas privadas (Natura e Vivo são duas que mantém, além de festivais próprios, investimento direto na carreira de vários artistas), apoio governamental através de leis de incentivo e, sim, um pé na grande mídia.

Mas a cena indie ainda é bem nascida e umbiguista demais para se realizar por completo. Daí a discrepância abissal entre as vendas numa Livraria Cultura, com público de classe média-alta, instalada em shoppings centers e pontos “descolados” Brasil afora e a pirataria no camelô, onde o público em geral realmente faz a festa e onde os últimos artistas verdadeiramente populares e independentes desse país se fizeram. Calypso é o exemplo mais óbvio e mais famoso.

Apesar de 90% das bandas e artistas independentes divulgarem seu trabalho gratuitamente na internet, com o disco para download grátis, fundamental, ainda nutrem certo “nojinho” das massas, certa vergonha de ir além, pra não dizer numa própria incapacidade de se comunicar com esse público, da própria acomodação com a carreira, o circuito que os cercam – que é, afinal, confortável – e para quem se direciona. Em alguns casos, diga-se, trata-se da ciência de falar para um nicho bem limitado, caso admitido de Romulo Fróes.

Esse triunfalismo precoce repetido há muito tempo – “vencemos na vida sem o apoio de grandes gravadoras” – esconde uma série de outras muletas, já citadas aqui. Não por acaso, dois dos artistas que conseguiram realmente ultrapassar essa barreira tiveram uma vida de classe média ou baixa. Caso de Marcelo Jeneci e, principalmente, Criolo, que ilustra esse artigo.

Criolo merecidamente alcançou sucesso maior, com um bom disco nas costas – Nó Na Orelha – que lhe rendeu alguns prêmios por aí, aparições ao lado de ícones da MPB (Caetano Veloso, Chico Buarque) e maior cobertura da mídia, incluindo um “Esquenta!”, da Regina Casé, na TV Globo, “velha conhecida” do rapaz.

É verdade que a maior TV do país “abriu suas portas” para alguns nomes. Jeneci e Otto tiveram música em novelas, Karina Buhr apareceu num programa especial, Mallu Magalhães foi no Faustão, Gaby Amarantos idem e agora é dona do tema de abertura da novela das 19, etc. É pouco. Parece que o indie se contenta em fazer uma ou duas aparições e imagina que os convites para show vão explodir, o download dos discos idem, views no YouTube também e por aí vai. Ilusão.

Superar o abismo que as duas frases citadas na matéria ilustram significa trabalho duro, perder o ranço, poder de comunicação, qualidade das composições, bom uso da mídia e capacidade de dialogar com as massas. Para alguns, poucos, é possível “chegar lá”. Para a maioria, será o mesmo nicho de sempre.

Afirma a matéria:

 Um artista pode “acontecer” — fazer música e viver dela– mesmo que ninguém fora de seu segmento se dê conta da existência dele.

Se você olhar para quantos desses artistas indies realmente conseguem sobreviver de música: e como, sob que custo e de que maneira, incluindo as próprias declarações, vemos que a história é um tanto diferente.

O conhecido Pena Schmidt decreta:

Em vez de ‘música de massa’, definitiva e industrial, hoje temos a ‘música da maioria’, em que o ouvinte comum pode se inserir em muitos momentos –mas já não mais em todos eles, como antes. Esta é a diferença: a maioria é flutuante e volátil e não mais um território dominado.

Só é comum esquecer que mesmo “a mídia/música/público” de massa já deixou de ser tão “massificado” assim há bastante tempo. A “massa”, hoje, é fragmentada e possível para um sem número de estilos e artistas diferentes. O que ele afirma de um outro modo. Só é perigoso o deslumbramento desmedido.

Outra coisa preocupante ilustrada pela matéria da Serafina, que faz questão de reviver imagens de ícones do passado com as caras dessa geração (a capa da Tropicália refeita, Criolo-Cartola, Mallu-Rita Lee, etc) é a regra instaurada de ter que literalmente beijar a mão dos medalhões para alcançar algum tipo de validação instantânea. É gritante a vontade e a busca dessa “nova MPB” em atrelar sua imagem e sua presença com as de artistas já estabelecidos. É muita insegurança, muita necessidade de apadrinhamento e de beber numa fonte considerada “sagrada” para alcançar algo. Não funciona, amigo. Marco Barbosa e André Forastieri falam muito bem sobre isso nos textos linkados abaixo.

No mais, a classe média pseudo-descolada que frequenta os mesmos inferninhos e tem o mesmo comportamentinho conhecido é incapaz de sustentar a carreira de alguém. Para a maioria dos artistas, é só o que fazem por merecer mesmo.

LEIA:

O sucesso da nova MPB e o fracasso da Música Impopular Brasileira – André Forastieri

O Mito da “Nova” MPB: quem vai chutar esse balde? por Marco Barbosa

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Cena BR Destaques