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A pior face do metal mineiro

O público aí acima é a parte boa da história. O show memorável, em comentário do próprio Antestor. Mas a história por trás revela uma perigosa brecha de bestialidade nas ruas da capital mineira. Pra chegar lá é necessário uma breve introdução: Belo Horizonte é considerada a capital do metal brasileiro. Os motivos são simples: nos anos 80, bandas como Sepultura e Sarcófago, principalmente, saíram de BH e conquistaram reconhecimento mundial. O Sepultura, nem preciso dizer, a maior banda da história do metal brasileiro. E o estilo que vingou na capital mineira foi justamente o metal extremo: berço de toda sorte de atrocidade “teórica” e usado pelos acéfalos para fazer estardalhaço.

Do fim dos anos 80 e início dos 90 outras bandas como Overdose, Sextrash e Chakal também ficaram conhecidas. O selo Cogumelo Records se tornou referência no país. Etc. E a herança disso ainda é muito sentida até hoje. Vivi intensamente meus anos de headbanger em BH cobrindo shows para o Whiplash!, disparado o maior site de rock/metal em português e um dos maiores do mundo. Em BH e falando só do metal extremo, cobri shows de nomes como Sodom, Nuclear Assault, Kreator, Cannibal Corpse, Slayer, Sadus, Obituary, Megadeth e Arch Enemy. Além de ter visto shows de nomes locais já citados como Chakal, Sextrash, Drowned e muitos outros.

Além disso e vindo de uma história pessoal em que fui evangélico nos idos da minha adolescência, cobri também muito metal cristão para o Whiplash!, criando até uma coluna dedicada ao tema no site e produzindo matérias para a revista Roadie Crew, líder no país do seu segmento. O mesmo que fazia para outras bandas, fazia com nomes do metal cristão: entrevistas, resenhas de discos, de shows, notícias, etc. Posso me considerar um especialista em metal cristão, um meio ainda mais marginalizado dentro do underground, dos nichos e da balbúrdia que é o metal em si.

Conheci muita gente boa através do metal em Belo Horizonte. Amigos próximos que mantenho até hoje. Felizmente, nunca deixei que os mais radicais se aproximassem nem seria possível manter amizade com tal tipo de gente. Nunca fui refém do metal, seja em estilo musical, seja em “comportamento”, etc. Mas já fui alvo, inúmeras vezes, da irracionalidade que grassa na mente tacanha de alguns. Como quando chegaram a me ameaçar nos comentários da resenha do show do Slayer em BH (bem elogiosa, por sinal). Nesta época, naturalmente frequentei os mesmos shows, os mesmos botecos e as mesmas áreas com toda essa gente.

Daí que não me causa surpresa, mas sim um imenso nojo, repulsa e revolta por tomar conhecimento que a banda de metal cristão Antestor foi atacada por aproximadamente 50 pessoas na porta do seu show em Belo Horizonte, esta semana. Os presentes, que se diziam “satanistas”, tentaram agredir a banda e seu público, provocando muita confusão, o que acabou na presença de 10 viaturas de polícia no local. As informações ainda são desencontradas mas blogs noruegueses (que você pode traduzir para o português) já repercutem. Em 2005 – 8 anos atrás! – escrevi essa resenha para o disco “Forsaken”, do próprio Antestor, que levou nota 10 e realmente é um belíssimo disco de metal.

Pra quem não é do meio cabe lembrar que o black metal norueguês sempre carregou consigo um lastro de casos patéticos em que membros de notórios grupos do país botam fogo em igrejas, além do famoso caso de Varg Vikernes, do Burzum, que assassinou um colega. Ainda que tudo isso tenha sido lá nos idos dos ano 90. Profundamente marginalizado e perseguido, o rock/metal cristão sempre encontrou resistência primeiro dentro das próprias igrejas e depois no meio “secular”, pela mentalidade radical e limitadíssima que o fã de rock medíocre costuma ter e os temas “satânicos” historicamente ligados às bandas, em 99% dos casos como alegorias, provocações infantis e simbolismo da desgraça humana, do caos, da violência, etc, etc.

O black metal, queiram ou não, acabou se tornando um gênero musical dentro do metal. E tal como gênero, também ganhou as suas bandas cristãs. Cunharam o termo “Unblack” metal, que eu não gosto. Mas como existem bandas de metal cristãs de todos os gêneros existentes (dezenas ou centenas de acordo com as subdivisões que você quiser levar em conta), existem as de black metal. E norueguesas. Como o Antestor. Uma ofensa direta, portanto, na cabeça dos idiotas.

Conheço bem o tipo de imbecil que se reuniu na porta do show para tentar atacar os membros do Antestor e seu público: adolescentes sem nenhum rumo na vida tentando extravasar sua insatisfação com o primeiro canal e a primeira “tribo” que apareceu, em que eles podem ser “diferentes” de todo mundo apesar de tristemente iguais entre si, além dos mais velhos, claro, gente verdadeiramente acéfala, que “vive” o radicalismo do metal na sua manifestação mais rasteira, tacanha e imbecil, se arrastando pelos guetos e pelos botecos baratos de Belo Horizonte sempre com o mesmo papo, as mesmas roupas, a mesma postura e a mesma vida infeliz.

Sinto profunda pena de gente assim. O pior dessa história não é revelar que existe esse tipo de bandido dentro do metal, não é a mancha na cena musical mineira e no pra lá de combalido metal brasileiro, é o precedente que abre para toda sorte de “intolerância” e perseguição, seja religiosa, racial e sexual. Como os casos que surgem aos milhares Brasil afora de morte e espancamento de gays, negros e tantos outros grupos. Significa você ser coagido, em pleno 2013, por meramente ir no show de uma banda que você gosta por motivos religiosos. Coagido, atacado, ameaçado, ainda que – sempre – de maneira covarde e limitada. Significa deslocar força policial para lidar com um bando de gente ridícula. Significa uma banda ter os pneus da sua van cortada e ser obrigada a sair de táxi, buscando outros meios para sair do seu show – do seu trabalho – sendo xingada por motivos religiosos.

É doloroso, vergonhoso, triste e alarmante para a sociedade. Quanta educação, no sentido mais amplo e profundo da palavra, falta pra essa gente. Que vida miserável levam. Só desejo que possam se libertar disso. E para os bandidos que cometem seja qual tipo de crime for, que paguem com a pena máxima da lei.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Cena BR