A “maturidade” no mundo artístico foi sempre uma questão delicada. Há artistas que, bem da verdade, nunca experimentam o tal “amadurecimento” na carreira, normalmente compreendido como uma sofisticação dos temas, das texturas, da capacidade de chegar ao seu estilo próprio, sua própria abordagem, razoavelmente livre das influências óbvias, entregando uma musicalidade redonda, uma ambição que casa com o talento e o trabalho em burilar no estúdio as melhores ideias e descartar o resto.
Parece simples, mas nunca é. E existem artistas que, logo quando aparecem, já demonstram uma capacidade enorme de conjugar as qualidades citadas acima como propulsoras de uma carreira que tem tudo para decolar. Esse parece ser o caso de Ravyn Lenae, 19 anos, nascida e criada em Chicago. Desde criança imersa na vocação artística óbvia, Lenae nem precisa se desvencilhar das influências inevitáveis – Beyoncé, Erykah Badu, Lauryn Hill e cia ltda – para atingir um ponto já impressionante em “Crush”, seu quentíssimo e terceiro EP.
Se “Moon Shoes”, de 2016 e “Midnight Moonlight”, de 2017, já eram bem bons, “Crush” atinge um novo nível de composição, menos hip-hop e totalmente R&B e neo soul. Redondíssimo, com harmonias incríveis, produção contemporânea na medida (mas que não esconde suas fumaças setentistas), todas as 5 músicas de “Crush” mostram uma artista pronta para o estrelato, com uma capacidade vocal belíssima, fluída, extremamente orgânica na proposta.
Se Lenae tem apenas 19 anos, seu produtor – Steve Lacy – completa 20 no fim desse mês. Membro da The Internet, Lacy também é um talento precoce, guitarrista e produtor já nomeado para o Grammy, contribuiu em dois dos melhores discos de hip-hop do ano passado (DAMN do Kendrick Lamar e Flower Boy do Tyler, The Creator) e sua capacidade demonstrada em “Crush” – Prince meets D’Angelo meets Sampha meets Blood Orange – indica que ele não deve sair dos holofotes tão cedo.
Dois jovens artistas construindo seu nome no mainstream com o pé na porta – porém com uma elegância incrível. Ravyn Lenae é a melhor nova artista de R&B que ouço em muito tempo, melhor ou no mínimo no mesmo nível que Kelela, Janelle Monáe, SZA e Solange, para citar apenas as principais. Ouça e comprove. Sorte a nossa.