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Pierrot Lunar e o minimalismo repleto de detalhes

Por Maurício Angelo

A música do Pierrot Lunar soa como um paradoxo, um desencontro, o paradigma daquela estranheza familiar, um “minimalismo” repleto dos mais diversos detalhes, texturas, influências. A grande conquista de “Passagem Secreta” é esta capacidade de soar tão conciso, sem excessos, ao mesmo tempo em que se permite explodir em contornos diversos, mudanças de andamento e tons incomuns para a maioria dos artistas atuais.

“Três ou quatro (aventuras cotidianas”, “Rumo a tempestade de neve”, “Alegrias Inéditas” e “Lusco-fusco”, por exemplo, que se entrelaçam em sequencia no filme que no fundo é o disco do grupo, traçam uma linha imaginária difícil de ser definida, mas que passeia por caminhos como a mpb “alternativa” dos anos 70, a vanguarda paulistana, o jazz e pós-punk.

Toda essa história é bem resumida pelo fato de a maioria das músicas durarem menos de 3 minutos e a banda fazer questão de recomendar, no disco, que a obra seja ouvida com fones de ouvido. O lirismo, a poesia e a verve artística em geral permeiam o trabalho desde a capa, obra da artista brasiliense Clarice Gonçalves, nas letras de Gustavo T. e nas opções como em musicar um poema de Hilda Hist em “Da Noite”, que encerra o lado A com peso e intensidade, e no sampler de “Pierrot Le Fou”, clássico de Godard, usado em “Granada”.

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“Um portal. Você está em um turbilhão e não sabe exatamente o que está acontecendo. É quase como se estivesse tateando no escuro. É água, mas, ao mesmo tempo, é cortina. Pode ser qualquer outro lugar onde se tateia sem os olhos da razão, sem a cabeça ou com a cabeça totalmente imersa – de modo que ela (a mulher) não consegue ver de fora. Está imersa e é parte daquilo. Até que ponto o reflexo na água – e a própria água – já não é ela mesma?”

O texto que acompanha a arte da capa, de certa maneira, serve também para ilustrar o som do grupo. Ao vivo, e especialmente no teatro Eva Herz da Livraria Cultura, o disco funciona bem e o grupo consegue executar os detalhes aprimorados em estúdio.

A participação do Mestre Jambeiro, referência em Brasília, adiciona contribuições interessantíssimas na segunda metade do show e nas dezenas de instrumentos de percussão e traquitanas utilizadas. “Mais e Melhores” e “Bar Esperança” transpiram a vanguarda paulista e bandas como Fellini e Patife Band, duas referências ótimas, diga-se.

O saldo final é um disco que ainda merece ser descoberto pelo público e pela crítica Brasil afora e um show que precisará se adaptar para funcionar bem em todos os formatos e espaços.

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Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds