Num posto semi-abandonado de beira de estrada você para e vê a placa: “Boleros Elétricos”. São 2 da manhã, o puteiro não está lotado, mas deve ter umas 30 pessoas lá dentro. A viagem já durava umas 9 horas. Porquê não? Na porta, uma guria de uns 16 anos dá as boas vindas. Um palco mambembe, com luz baixa da mais vagabunda, lâmpadas comuns escoradas por papel celofane vermelho, dá o tom do lugar. Você senta no bar e pede um campari, com limão siciliano e gelo. É decadente, mas com algumas surpresas. Você só quer uma boa diversão.
“Game of Love” começa a tocar. Uma loirinha de peitos pequenos surge com uma lingerie preta que cobre metade da bunda. “Giorgio by moroder” embala o show, que entra num looping frenético embalado pelo sintetizador vintage de brechó. Ela decidiu se despedir, mas você queria que ela ficasse. No intervalo, “Within” machuca a alma de um senhor que beberica um conhaque, com a pinta do Benito di Paula. Desce o segundo campari, João. Em “Instant Crush”, uma balzaca com seus 42 anos puxa uma cadeira e se aproxima de Benito que, depois você descobre, é o dono da mercearia da cidade.
De longe, você vê uma HQ de Milo Manara abandonada no chão, suja e pisoteada. You just getting started. Poucos embriagados arriscam dançar no centro da pista. “Lose Yourself to Dance” convida e a pouca timidez do ambiente se dissipa de vez. Você já ouviu isso antes. Já esteve no mesmo lugar. Já bebeu esse campari esquisito num copo turvo. Já fez bobagens de envergonhar a si próprio. Já foi tão ridículo quanto possível. Jurou que não faria novamente. E cometeu tudo de novo. Muitas e muitas vezes.
Esse groove barato sempre te conquistou. Esse “mergulho randômico na memória” não é ao acaso. Essa colagem disco soul de fuleragem eletrônica combina com toda birosca ao redor do mundo. O cheiro de mofo do carpete envelhecido da parede invade suas narinas. “Touch” é uma mistura esquizofrênica de progressivo italiano e eletrônico alemão, para explodir numa brincadeira do swing setentista mais fácil. Você adora. Já deixou sua vergonha em algum lugar que já não importa mais. O amor não é mais a resposta. Aquela vagabunda, que não era vagabunda, não merecia. Mas fez por merecer.
Aquela que te deu tudo o que você quis simplesmente não está mais lá. Aquela que você comeu num hotel barato do centro também. Mas você está ali para ter um pouco de sorte. Você veio de muito longe para desistir do que você é. “Get Lucky” incendeia o lugar. Os velhos, os coroas e as novinhas, você. Dançando de maneira ridícula, trôpega, realmente patética e inevitável. Seu maço de Derby já tá no final. Avista uma predadora de uns 20 e poucos, lábios vermelhos, unhas pintadas de preto, mini saia de tachinhas, cabelos negros até a altura do ombro, coxas grossas porém firmes. Bom assim. Oferece um cigarro, ela não hesita.
Pede um negroni pra esquentar. Amargo feito o inferno, desce bem. Não dá pra se preocupar com amenidades. Júlia, muito menos. A conversa vai de bobagens inevitáveis a provocações patéticas, as melhores que você consegue fazer. A fumaça do maldito derby vermelho dança na luz fraca do bar. Já com a mão na cintura, Amanda te lasca um beijo com gosto de licor barato. Você adora. “Fragments of Time” é ideal pra você entrar na brincadeira. Cheira o cabelo dela e sente a presença do condicionador de pote, da colônia falsificada. Aquilo te excita. Apenas dando o troco. Em ninguém, mas em você mesmo. A cozinha brega e frenética é perfeita para embalar o fim da madrugada.
“Contact” é a deixa final. Já não dá pra aguentar mais. Sobe para o quarto com ela. Sua carteira cai pelas escadas e você nunca se dará conta do que aconteceu. Mas por algum motivo estranho, sempre ridículo, sempre indesculpável, guardará com certo carinho essa noite. E tem certeza que se arriscaria nela novamente.
(Maurício Angelo, Brasília, 13.05.13)