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Marcelo Jeneci: no limite entre a auto-ajuda e o existencialismo

Por Maurício Angelo

Marcelo Jeneci parece estar sempre no limite entre o fascínio e a lamentação, a auto-ajuda e o existencialismo, as maravilhas do amor e o coração partido. E isto é uma das coisas mais interessantes da obra dele. “De Graça” é muito mais introspectivo e melancólico – do jeito Jeneci de ser – que “Feito Pra Acabar”, solar desde a capa, apesar do título – e da faixa em si – com ares apocalípticos.

No novo disco, Jeneci adicionou outras cores na sua paleta. Outras camadas. Sai (diretamente) José Miguel Wisnik, que permanece em alma e inspiração, e entra Eumir Deodato, um monumento da “música cabeçuda brasileira”. Permanece Arnaldo Antunes. E, claro, Isabel Lenza. Jeneci saiu de um amor e entrou em outro. E isso tem impacto direto além do fato de Isabel ter contribuído na maioria das canções.

“Além de mim, além de nós, onde podem me ouvir”, declara em “A Vida é Bélica”. Jeneci busca sempre a transcendência, com os pés nos chão, querendo decolar. Seu apreço por essa temática, por um certo exílio espacial, uma certa atração do que há “além” é evidente. “A Vida é Bélica” funciona como a sua própria composição inspirada em “O Astronauta”, de Roberto Carlos, tocada com brilhantismo por Jeneci ao vivo há bastante tempo.

“Um de nós vai sentir a falta de um de nós / cada um, uma noite alta vai sofrer / vou te ver, abraçar o vento com alguém que te faça bem / vou sorrir mas nesse momento eu vou chorar, por sentir na carne a dor que dá / quando alguém ocupa o seu lugar, que não é somente um lugar, foi um sonho que acabou”.

“Um De Nós”, a grande “balada” do disco, mostra Jeneci balançando com frequencia entre a doçura e a dor. Suas letras, aparentemente “felizes”, “pra cima”, na verdade escondem uma melancolia onipresente, uma necessidade de lembrar que as coisas vão melhorar. “Tudo Bem, Tanto Faz” é outro exemplo nítido disso.

“Temporal” dialoga com a tradição da música popular melódica brasileira dos anos 70, fonte inesgotável para Jeneci.

É só mais um temporal, chuva lavando o mal
Fecho o portão entra pra ver a enxurrada passar
Quando acabar a luz e a escuridão subir
Pro alto do céu, olha em paz que a nuvem já se desfaz

O clima, seja no sentido literal ou no impacto que tem nas emoções, no nosso humor e nas metáforas para os sentimentos, é outro tema caro para Jeneci. “Temporal” é prima direta de “A Chuva”, mantra entoado com força nos shows: “a chuva é a vontade do céu de tocar o mar, e a gente chora assim também quando perde alguém, mas quando começa a chorar, começa a desentristecer, assim se purifica o ar depois de chover”.

“O Melhor da Vida” é outra faixa que funciona como síntese de um disco mais ambicioso, mais “maduro” e mesmo mais “ousado” que o anterior. É um segundo passo corajoso mas ao mesmo tempo seguro de um artista que, já afirmei aqui, tem tudo para cravar seu nome entre os grandes da música brasileira, construindo uma carreira admirável ao longo dos anos. Coisa que Jeneci já faz com louvor.

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Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds