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Morrissey – World Peace Is None Of Your Business

Por Fernando de Albuquerque, da Revista O Grito!

Tão controverso quanto talentoso, Morrissey é quase uma ubiquidade. Dono de um talento sem igual para transformar pequenos problemas cotidianos em grandes dramalhões, o inglês mais pop do mundo lançou novo disco intitulado World Peace Is None Of Your Business, mais um compêndio de lamentos pequeno burgueses, mas não menos relevantes em nosso dia a dia. E no auge dos seus 55 anos, a falta de paciência parece tê-lo acometido de uma vez por todas. O título de seu décimo álbum solo soa como “a paz no mundo não é da sua conta”. E o disco de inéditas surge justamente quando sua língua não poupou sequer o príncipe Harry, pedófilos e, como sempre, os que se alimentam de carnes.

Tanta falta de compaixão só poderia redundar em uma coisa: um disco que atava os egoísmos humanos com a mesma vontade e pujança de seu músico, mas com menos picardia e grosseria. E nele o dândi que ainda é um dos maiores ícones do pop britânico defende tudo aquilo que acredita fazendo o que sabe melhor: drama. O veganismo é um dos temas mais abordados de suas músicas como em “I’m not a man” e em “Kiss me a lot”. Nesta última faixa, meio teatralesca, vemos um Morrissey apaixonado, louco, insano e perseguidor.

 produção do disco está por conta de Joe Chiccarelli, que introduziu certa dose do flamenco e da música espanhola de forma sutil, mas vibrante. Trazendo cores quentes e abissais para toda a névoa que envolve o inglês. Esses tons aparecem com força em “The bullfighter dies” e “Staircase at the university”. Músicas que transformam histórias bizarras e tristes em lirismo: na primeira ele narra a morte de um toureiro e na segunda fala de uma garota que não consegue boas notas e se mata pulando da escadaria.

httpv://www.youtube.com/watch?v=VaXKGu3ecnQ

A “magia” de algumas músicas, contudo, reside nos solos. Na canção título, quase um folhetim em defesa das nações jovens e ainda em formação, ele fala sobre votos e sistemas políticos completando a reflexão num belo solo reflexivo e triste. Já “Neal Cassidy drops dead” é um relato emocionado e não menos perturbador de como o poeta Allan Ginsberg recebeu a notícia da morte de seu companheiro. A guitarra é fúnebre, chorosa e transmite uma melancolia impossível de passar incólume.

Nas 11 faixas ele ainda descreve o que as mulheres mais odeiam em “Kick the bride down the aisle” e traz a sonoridade clássica aos fãs com “Oboe concerto”.

A bem da verdade, Morrissey parece cada vez mais defender o seu direito a ter opiniões controversas e não alinhadas ao bom mocismo tão contumaz nas estrelas de primeira grandeza. Só o título do álbum faz com que o fã precise tomar posições. Será mesmo que não temos nada contra a paz mundial? Será que realmente devemos julgar os chineses como subespécies? Será que devemos nos comprometer mais com a morte de frangos do que massacres de cidadãos? A ironia está posta diante do nosso nariz e precisa ser refutada ou assimilada pelo ouvinte.

O mais controverso de tudo isso é que, mesmo dentro de tanta contradição suas músicas não podem ser idolatradas independentemente do conteúdo das mesmas. Ele geme injustiça social e dá declarações de que está em dúvida se mora em Roma, LA ou em Berna. A bem da verdade, para além do que é dito ou reproduzido, a musicalidade de Morrissey é amor em forma de riffs.

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Published in Reviews de Cds