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De La Soul: o abraço (mais) descarado no pop em “and the Anonymous Nobody”

 

Não me entendam mal: o De La Soul, dos grupos chave da ‘segunda era de ouro do hip-hop (final dos anos 80-início dos 90)’, sempre fez do pop o rejunte do seu rap calibrado, suave, harmônico, mezzo jazz, mezzo mussarela. Nunca teve a política explosiva de um Public Enemy, os arranjos intrincados do A Tribe Called Quest, a profusão de flows de um Wu Tang-Clan ou a crueza brilhante de Eric B & Rakim, por exemplo.

O De La Soul, mais colorido que a média, se você quiser colocar assim, mistura um pouco de tudo isso nas figuras de Posdnuos, Trugoy e Maseo, o trio de MC’s responsável por tudo que fizeram desde que “3 Feet High and Rising” chegou cravando seu lugar na história em 1989 e a discografia irrepreensível que construíram dali em diante.

“and the Anonymous Nobody”, o primeiro disco de inéditas em 12 anos (e viabilizado por campanha de crowdfunding), portanto, é a mistura exata de todos esses elementos, repleto de participações especiais e uma bolacha que pode carregar a alcunha de “gostoso de ouvir” que não empalidece em nada sua qualidade e complexidade. Estão lá o pop chiclete de “Memory Of”, com a voz de Estelle (dentre outras coisas, do ótimo hit “American Boy”), a carta de intenções que é “Royalty Capes”, o comercial bem lavado de “Pain”, com Snoop Dogg e “Greyhounds”, com Usher, o ‘art rap’ de “Snoopies” com o incansável David Byrne, o experimentalismo tímido e gorduroso de “TrainWreck” e“Drawn”, o groove de “Nosed Up” e a excelente “Lord Intended”, com a presença de Justin Hawkins do Darkness (alguém imaginaria uma parceria dessas?) e um dos melhores solos de guitarra do ano…em um disco do De La Soul.

Mais que uma tentativa de atirar para todos os lados e agradar todo tipo de público – o que não seria demérito algum, diga-se – o De La Soul tem o domínio completo do que faz e entrega composições bem acima da média do que temos por aí no hip-hop atual, como era de se esperar. Mas se muitos – muitos – nomes do estilo que foram gigantes (em qualidade) na mesma época que eles hoje se encontram lambendo as feridas e raspando o tacho com discos terríveis que soam pastiches ridículos do que já fizeram de melhor, este definitivamente não é o caso do De La Soul.

David Jude Jolicoeur aka Trugoy (from left), Vincent Mason aka P.A. Mase and Kelvin Mercer aka Posdnuos pose for a portrait outside the Apollo Theater in Harlem in September 1993
David Jude Jolicoeur aka Trugoy (from left), Vincent Mason aka P.A. Mase and Kelvin Mercer aka Posdnuos pose for a portrait outside the Apollo Theater in Harlem in September 1993

E é como eminência parda do hip-hop, como veteranos e ícones do estilo que os três MC’s (com a ajuda de muita gente, claro) conseguem ficar lado a lado com a geração contemporânea que vai do político ao experimental e ao pop com imensa competência, caso de Kendrick Lamar, Run The Jewels, Lil Ugly Mane, Death Grips, Aesop Rock, Danny Brown, Ka e tantos outros (sim, o hip-hop é dono de parte da música mais interessante feita hoje em dia e, sem dúvida, a que tem mais apelo geral).

Para nossa sorte, o De La Soul não é um dinossauro se arrastando a todo custo, recusando-se a morrer. Mas um trio capaz de entregar um disco inapelavelmente bom e com fator replay alto como esse “and the Anonymous Nobody”. Que venham os shows no Brasil: 03 de novembro em Belo Horizonte, 04 no Rio de Janeiro e 05 em São Paulo.

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Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds