Ato I: O Cão da Problematização: desculpe o transtorno, precisamos falar de tretas. 11 anos é uma eternidade. Na música, na vida e fora dela. Nada nem ninguém permanecem os mesmos 11 anos depois. Neste tempo, o Wilco lançou apenas o estupendo “Sky Blue Sky” para depois cair na mediocridade aparentemente irremediável. 11 anos sem pisar no Brasil, desde o último show em 2005 no TIM Festival. Demanda reprimida, dizem, ansiedade que, se saciou os reais fãs da banda, mostrou-se tímida no fim das contas. Circo Voador com metade da capacidade na quinta, show em SP (em um local bem maior), também com pouco mais de metade da pista ocupada. Foi o Wilco que ancorou o Popload Festival. Foi o Wilco a primeira banda anunciada, no único show realizado no fim de semana nestas terras, “detalhe” importante para muitos que acham que o eixo Rio-SP é o início e fim do Brasil e esquecem que pessoas de outros estados precisam se programar com muita antecedência para eventos do tipo (ingresso, passagem, hospedagem, negociar no trabalho eventualmente, etc). O público tem total e plena razão de reclamar das diferenças no preço do ingresso, a despeito do show em SP ser em um mini festival que acabou tendo uma boa banda como o Battles cancelada. R$500 pista premium em SP, R$ 120 no RJ no acolhedor Circo Voador – quase 5 vezes menor que o valor do ingresso paulista mais caro – e o simbólico valor de R$20 pro show no Ibirapuera, um dia depois, um bônus causado pelo cancelamento no Uruguai.
Para o fã de Wilco que se apressou a ir para SP e viu outras opções surgirem depois, pagando bem mais caro por isso, realmente algo a se lamentar. E o show no Popload, que teve muitos problemas de negação de devolução no valor dos ingressos e outras coisinhas mais, aparentemente o pior dos realizados no Brasil segundo a opinião de quem viu os três. Baseado no set-list de todos e nas demais diferenças, parece provável. Sobre a estrutura montada no Urban Stage: aceitável e ok pela capacidade do local, bares e banheiro sem fila, lounge, drinks e demais espaços normais em um festival indie. Preços idem: R$ 10 a cerveja, R$ 25 uma gin-tônica/etc, R$ 25 um kebab ou hamburguer. Coisa típica da cultura que se tem no Brasil que se você está em evento x, pode ser extorquido livremente nele que todos acham normal, afinal é o que sempre se faz, o brasileirinho acha bonito pagar caro, somos o país da pista VIP e por aí afora. Sociologia óbvia de boteco nível 1 que tem sua razão de ser. Como disse um amigo, “o único negro que vi nesse festival foi o baterista do Libertines”. O competente Gary Powell, diga-se. O referido é verdade e dou fé.
Ato II: os shows, afinal. Jeff Tweedy, Nels Cline, Pat Sansone, Mikael Jorgensen, John Stirrat e Glenn Kotche não tem nada com isso, contudo. “Schmilco”, álbum lançado há pouco tempo, é o pior da carreira da banda, rivalizando com “Wilco (The Album)” e “Star Wars” em nível de ‘ruindade’, que se revezam em ser um pastiche do pastiche do que já fizeram de melhor, no automático. Apesar do tempo sem pisar por aqui, não aliviaram: entre 7 e 8 músicas dos três discos citados em cada show. Ainda assim, o Wilco tem repertório, discografia e variação suficiente para fazer um grande show. E foi o que aconteceu: entre o ‘country alternativo’, o power pop, o noise fofinho e o krautrock bem embalado, a banda, naturalmente afiada (esta formação está junta há mais de 10 anos), desfilou a sua classe, não faltando “I Am Trying To Break Your Heart”, “Misunderstood”, “Via Chicago”, “Impossible Germany” e seu solo espetacular, “Jesus, etc”, “Heavy Metal Drummer”, “Hummingbird” e as ‘barulhenta’ e ótimas “Art Of Almost” e “Spiders (Kidsmoke)”.
Uma diferença considerável de SP para o RJ: tivemos duas a mais do “Sky Blue Sky”, caso de “Either Way” e “Side With The Seeds”, um deleite para os fãs do disco (como eu), que evidencia o quanto o show de SP foi mais calcado no country-folk-pop-deprê, também com 5 faixas do “Being There”, álbum que envelheceu terrivelmente bem na sua pegada Neil Young wannabe. O Wilco é uma das mais interessantes e completas bandas dos últimos 20 anos e mostra isso ao vivo. Afinal, quantas bandas conseguiram lançar 5 discos excelentes em sequencia, jamais caindo no lugar comum e com variação considerável entre eles? Pouquíssimas. Assim, a atual fase de baixa é compensada pela história riquíssima, coisa da qual poucos podem se gabar.
Dos brasileiros, vi somente o finalzinho do show da Ava Rocha, que teve o bom “Ava Patrya Indya Iracema” – um triunfo do tilelê hard – razoavelmente hypado e ao vivo dá a impressão que consegue segurar o rojão, apesar dos exageros. O Ratatat foi um pedágio caro para chegarmos ao Wilco, praticamente o Skazi do indie (procure saber). Uma maçaroca cretina que emula artistas que já fizeram tudo isso antes e melhor. Dispensável e aposta errada da escalação.
Assim como tinha tudo para ser o Libertines…banda “grande” na Inglaterra, excessivamente hypada e longe de produzir qualquer coisa digna de nota. Mas se “fã de Libertines” é um negócio que ninguém jurava que existia, até que o público resistiu bem e não se arrependeu. Se a brincadeira de Pete Doherty e Carl Barât foi “a resposta inglesa ao Strokes”, pelo menos os dois podem considerar que, ao vivo, ao contrário da sonolência induzida por rivotril de Julian Casablancas e cia, mesmo com muito mais hits no currículo, o Libertines faz um show muito melhor que os colegas de Nova York. Indie rock/garage rock revival farofeiro e despreocupado que tem seus momentos, baseado fortemente no bom disco de estreia que é “Up The Bracket”, com 8 músicas executadas em SP, além do hit “Can’t Stand Me Now”, do segundo álbum e “Music When The Light Goes Out” e “What Katie Did”. Como se sabe, o segredo da vida é não ter expectativa alguma. E, nessa toada, o show do Libertines surpreendeu positivamente.
Ato III: “The best songs will never get sung / the best life never leaves your lungs” AND “I’d like to thank you all for nothing / nothing, nothing, nothing / nothing at all”: mesmo com uma curadoria discutível, o Popload Festival se consolida no terceiro ano como uma boa opção de festival pequeno que consegue trazer boas atrações com estrutura idem. Produção é sempre um trabalho contínuo de aprender com os próprios erros, no respeito ao público e em cada detalhe. Os shows, registre-se, começaram rigorosamente no horário, sempre algo a se exaltar. Fora de SP, o Brasil precisa de mais eventos com essa característica. O Popload prova que, a despeito dos percalços e do público abaixo do esperado, é possível arriscar.