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Matt Elliott: a calma antes da tempestade

O britânico Matt Elliott é aquela figura típica que se convencionou chamar de “outsider”. Mas talvez esteja mais para o “gênio recluso avesso à mídia”. Mais importante que essas bobagens, no entanto, é a carreira de Elliott: um folk extremamente dark, soturno, carregado, grave, sorumbático. Dono de uma discografia belíssima, caso de “Drinking Songs”, de 2005, é difícil mesmo colocar Elliott na tradição desse folk deprê, às vezes experimental, com uma noção de tempo rara e absolutamente idiossincrática. Não é Nick Drake, Tim Buckley ou mesmo Tom Waits em alguns momentos, embora todos sejam referências óbvias.

“The Calm Before”, a espetacular faixa título deste novo disco, tem 14 minutos de duração. Para um artista acostumado a dar nomes às suas obras como “The Mess We Made” e o quarteto “Drinking…”, “Failing…”, “Howling…”, Failed… Songs”, além de “The Broken Man” e o sensacional “Only Myocardial Infarction Can Break Your Heart…você já sabe o que esperar.

Não há ninguém fazendo o que Elliott faz tão bem aqui. Do uso do double bass ao piano, da viola ao trabalho artesanal feito em estúdio, utilizando métodos antiquados e instrumentos idem, Elliott é um monstro da melancolia dilacerante, um Leonard Cohen – da qual sua voz gravíssima parece encontrar algum eco – low profile.

A “calma antes da tempestade” é um ditado perfeito para um artista acostumado a criar atmosferas e verdadeiros universos temáticos e sonoros. “The Feast Of Stephen” e “Wings & Crown”, as mais “acessíveis” do álbum, mostram bem a capacidade rara que ele tem em usar a ironia, o sarcasmo e uma harmonia “familiar” apenas para distorcê-la e rasgá-la.

Além da já citada faixa-título, “I Only Wanted To Give You Everything” e “The Allegory Of the Cave” (Platão, claro) são verdadeiras micro obras-primas dentro de um disco soberbo. É um mergulho sem volta no abismo, não recomendado para pessoas com depressão profunda, talvez. Versos como “i would die with a smile upon my face / with no complaints / as tranquil as a saint / this world would be transformed from a world of pain / to somewhere sane / my eyes would shine again / but you don’t love me”…são apenas uma amostra dos lamentos de Elliott, que empalideceriam, no entanto, se a música não fosse brilhante. Damien Rice, em seus melhores momentos, parece um animador de torcida perto de Elliott.

Um disco que pode tanto “bater” imediatamente quanto levar um tempo para que tome conta do ouvinte, especialmente os não habituados com essa atmosfera. Um álbum que foge da urgência e nos entrega o necessário desafio de desacelerar, de ter a ousadia de dizer não. De se expor como poucos são capazes.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds