Um dos ícones da vanguarda paulista, Itamar Assumpção não deixou “somente” um legado de algumas das melhores obras da música brasileira, mas também o seu DNA nas filhas que também seguiram carreira musical, caso de Anelis e Serena, que nos deixou em março deste ano, aos 39 anos, vítima de câncer, assim como o pai. Serena, que se dedicou bastante a manter ativa a obra de Itamar, em shows e projetos, deixou pronto o belíssimo disco “Ascensão”, álbum que não exibe as marcas das tragédia mas, pelo contrário, eleva as canções de orixás que Serena se baseou em numa verdadeira jornada espiritual.
Serena, que já era vodunsi (ou filha de santo, grau atingido após sete anos de iniciação no candomblé) reuniu um time de amigos para os seus cantos baseado no ritual do xirê, homenageando cada um um orixá diferente. Participam Curumin, Tulipa Ruiz, Tatá Aeroplano, Moreno Veloso, Metá Metá, Céu e Mariana Aydar, entre outros.
Ainda que a música brasileira seja, desde sempre, completamente mergulhada na influência sonora, lírica, conceitual e espiritual das religiões de matriz africana, uma herança que Serena se apropria com absoluta competência, a maior referência de “Ascensão” acaba sendo mesmo o grupo baiano Os Tincoãs e os seus três discos lançados nos anos 70 (falamos também do trabalho solo de Mateus Aleluia aqui).
Da abertura com “Exu”, passando pelas incríveis “Oxumaré”, “Oxum”, “Iroko” e “Obaluiê”, alguns dos destaques do disco para mim, Serena constrói um verdadeiro panorama vocal com convidados e banda totalmente integrados, em percussões, arranjos e harmonias muito acima da média, retrato de uma obra maturada ao longo de anos, verdadeiro testamento de uma artista talentosíssima que se foi precocemente.
Um dos melhores discos brasileiros do ano que, além disso, merece ser lembrado e ouvido muito mais do que foi até agora.