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maquinas: na contramão e muito bem, obrigado

Lembra quando a música alternativa experimental dominou o mundo? Pois é, isso nunca aconteceu. Mas vivemos um verdadeiro revival de estilos como shoegaze (ta aí o retorno de Ride, Swervedriver, My Bloody Valentine e Slowdive que não me deixam mentir), post-hardcore (At The Drive In, Drive Like Jehu…), indie-emo (American Football), noise rock e slowcore….e é essa mistura que os cearenses do “maquinas” (sem acento e em minúsculo por razões de estilo mesmo) trazem no seu primeiro full-lenght, “Lado Turvo, Lugares Inquietos”. Bebendo na fonte de todos os citados e tendo o Unwound como uma das grandes referências (banda responsável pelos cultuados “New Plastic Ideas”, “Repetition” e “Leaves Turn Inside You”), o maquinas apresenta um slowcore ruidoso belíssimo, digno também do Low e lembrando os portugueses do Linda Martini da época “Olhos de Mongol /  Marsupial / Casa Ocupada”, o que se acentua porque o maquinas também faz a opção de inserir narrativas cantadas em português – a espetacular “contramão” lembra a linda “Partir Para Ficar” do Martini (baseada em poema de José Mário Branco), por exemplo. É uma turma jovem que faz música como bem entende, despretensiosamente e (talvez por isso mesmo) com ótimos resultados. Sobre isso tudo e mais um pouco que falamos com Allan Dias (voz/baixo) por email.

Movin Up – Primeiro, o clichê inevitável: como cada um chegou no seu cada qual e resolveram se juntar pra fazer música barulhenta com cuidado e melancolia? Qual a breve história do maquinas?

Allan: Bem, o maquinas começou a princípio eu e o Betos (Roberto Borges) depois de muitas tentativas de fazer música juntos, mas nada dava certo (risos). Mas o que viria a ser o maquinas mesmo de hoje só veio a se concretizar mais ou menos em 2013 quando a gente começou a trabalhar as músicas que viriam a ser o EP homônimo, lançado no ano seguinte.

Nessa época a gente ainda contava com o Tomas (Dahas, baterista) e o Eric (Catunda, guitarrista). Acabou que ainda em 2014 o Tomás e o Eric deixaram a banda e o Samuel (Carvalho, guitarrista) e o Ricardo (Lins, baterista) se juntaram a gente. Agora esse ano mesmo o Gabriel (de Sousa, Saxofonista) também se juntou à banda totalmente, já que ele já havia participado na gravação do Lado Turvo… na música “contramão”.

O maquinas hoje creio que está na ativa mais pela afinidade de cada um na banda e de se identificar com os gostos musicais de cada um. Gosto de pensar que talvez a melancolia do maquinas seja um sentimento do presente, mas não sei em  que vamos nos apegar no futuro para falar dos próximos materiais. Gosto de deixar isso bem aberto mesmo e sermos honestos até conosco, sabe.

Movin Up – Difícil precisar, mas parece-me que poucas vezes tivemos tantas bandas experimentais, alternativas (etc, etc) no Brasil quanto agora. Certamente um avanço em relação aos últimos anos. O desafio é não deixar o fracasso subir pra cabeça? 

Allan: Acho que o real desafio na verdade é soltar mesmo a cabeça e descobrir coisas. Acho que todos nós do maquinas temos isso de evitar se prender a algum gênero ou tipo de música. E falo isso mais na posição de ouvinte, não como músico em si. Sempre gostei de descobrir coisas novas e o pessoal da banda também, tanto que tem dias que a gente praticamente fica mandando música um para o outro, quase como se fosse uma troca de figuras.

Quanto ao avanço de bandas com uma sonoridade mais experimental eu creio que tem um pouco a ver com o que falei mais acima e também com o fato de que hoje em dia é tão mais fácil o acesso à música diferente e de tantos lugares do mundo, sabe. Poucos cliques você, tá sei lá, baixando o que há de novo na música turca ou descobrindo músicas de Cabo Verde.  É essencial para um músico ir atrás de novas referências e descobrir novas formas de pensar e fazer música. Isso acaba refletindo também no nosso processo criativo. É uma questão de procurar estar sempre se reinventando e sem perder a honestidade da proposta, evitar cair numa zona de conforto que limite nosso processo criativo.

Movin Up – O Nordeste e Norte ocupam um lugar peculiar nessa história toda: tem hardcore, tem metal, tem experimentalismo, tem festivais grandes e pequenos, ao mesmo tempo que convive com uma cena mainstream – seja literalmente seja o mainstrem do it yourself dos camelôs e gravações caseiras de música realmente popular etc – mais fragmentada e talvez com mais desafios de inserção que em outros lugares do país. Como encarar e equalizar isso?

Allan: Olha, eu encaro isso como sempre uma das “N” formas de se atuar no cenário musical brasileiro. Não creio que há como equalizar ou achar algo que balanceie tudo isso. Como você mesmo disse, no Norte e Nordeste realmente existe muita história, muitas bandas, muitos nichos musicais e cada um deles tem uma forma de atuar, de se mostrar para o seu público, tem seu espaço definido.

Creio que não há uma regra ou uma formalidade prescrita que prevaleça para todos os cenários musicais que tem no país. Cada qual acha seu melhor jeito de funcionar e se manter. E a experiência nesse ramo é sempre fundamental para você afinar seu caminho. O Brasil ainda não fornece uma estrutura adequada para que esses pequenos nichos musicais se mantenham da melhor forma, o desafio é sempre achar formas criativas de se manter e ampliar seu público.

Mas sem forçar a barra, porque nada mais chato do que uma banda que mais parece um seminário de case de sucesso de marketing para uma aula de graduação em publicidade! (Nota do E: nisso concordamos plenamente! rs).

Movin Up – No duro: mesmo com essa “fase”, tem público, vale a pena, a coisa acontece ou acaba tornando-se hobby criativo de gente que compõe simplesmente porque precisa? Qual a pretensão de vocês?

Allan: Olha, não penso muito nisso, mas acho que nunca gosto de pensar o maquinas como um hobby. Para mim hobby é algo que está sempre lá como segundo plano, por mais que tenhamos um valor tão afetivo pela atividade, e que vamos deixar de lado na primeira oportunidade devido algum evento ou “algo maior”.

Talvez eu esteja sendo um pouco ingênuo quanto a isso. Sou jovem e talvez o mundo ainda me dê uma porrada muito forte mais na frente que me faça rever este conceito HAHAHA!

Mas no momento sinto que as coisas estão indo bem, crescendo na medida do possível e da melhor forma. Me sinto bem com isso e de estar tocando com o pessoal, acho que isso para mim já faz tudo valer a pena. Tocar com o Betos, o Samuel, o Ricardo e o Gabriel, viajar, conhecer gente nova. Acho que não preciso de um motivo financeiro ou alguma expectativa de sucesso, seja lá o que isso signifique, para continuar com a banda.

E creio que a nossa pretensão é se descobrir mesmo. Deixar o maquinas falar por si só mais do que eu, ou os outros da banda e ver até onde vamos chegar, é isso.

Movin Up – As músicas – felizmente – são longas e permitem um bom desenvolvimento de texturas, intenções, influências. Como fluiu o processo de composição entre vocês?

Allan: As composições todas nasceram durante os ensaios, de jams nossas que foram se formando aos poucos até virar as músicas que estão no Lado Turvo… Gostamos de ter feito assim, de evitar que uma cabeça dominasse a composição e que o coletivo falasse mais alto. O legal é que foi uma metodologia bem diferente do que eu praticava antes de tocar no maquinas. Foi legal ver como um pouco da identidade e a contribuição de cada um influenciou no trabalho final. Acho que isso foi fundamental para que a timbragem dos instrumentos e as texturas em gerais ficassem bem próximas do que realmente queríamos, como uma banda mesmo.

Movin Up – Imagino que há uma escolha estética e lírica importante em se cantar em português num universo tão dominado pela língua inglesa. E o resultado é muito bom. Queria que falassem um pouco sobre essa escolha e a importância que tem na música de vocês.

Allan: Na verdade decidimos cantar em português justamente por isso que você falou. Desse cansaço do domínio do inglês na música em geral e também do fato de que, para mim, sempre vai ser uma língua da qual nunca vou ter a mesma naturalidade de expressão do que eu me expressando em português.

Apenas soa mais natural eu falar e me expressar nas letras em português do que tentar outra língua, além do fato de que no inicio do maquinas não tinha ainda segurança nas letras em inglês e decidimos encarar esse desafio de superar essa barreira. Então hoje nem me vejo mais cantando em inglês. Ainda bem! Tem um monte de americano aí cantando em inglês já! Porque vão achar que eu com meu inglês peba vai ser interessante?? (risos)

Movin Up – O palco é sempre um laboratório. O que vocês têm aprendido no show? Há expectativa de tocarem Brasil afora?

Allan: Eu acho que o mais legal de tocar no maquinas é justamente os shows, porque a gente meio que tenta sempre fazer um repertório diferente e em cada música fazemos umas jams emendando uma com as outras. Não é algo ensaiadíssimo ou super afinado, é algo feito na hora mesmo! Apenas deixamos fluir o que cada um toca e ver o resultado na hora. É legal fazer isso a cada show e viver sempre nessa da tentativa e erro. Temos bastante influências de grupos de free-jazz e música ambiente e acaba que isso influi bastante na nossa vontade de fazer algo diferente nos shows. Se fossemos apenas chegar no palco e tocar a música do mesmo jeito que está no álbum não teria graça e acho que perderíamos a vontade de tocar no maquinas rapidinho. No fim isso acaba deixando cada show nosso bem divertido para nós e cada vez mais nos descobrimos e vamos nos conhecendo melhor como banda.

Fizemos uma turnê recentemente passando por Natal, Recife e João Pessoa. Nossos primeiros shows fora de Fortaleza e todos foram organizados por uma galera dessa nova geração. Isso é muito massa! Ver gente nova dando as caras e produzindo shows, festivais, lançando bandas. O legal mesmo dessa nova geração é que eles não dão a mínima para as possíveis heranças das gerações passadas ou dos obstáculos, eles querem fazer algo por si mesmo e celebrarem isso, as pequenas vitórias que dizem muito!

E agora é isso, estamos muito a fim de tocar em outras cidades em breve. Já estamos vendo para onde iremos tocar nos próximos meses. Apesar das missões, é bem prazeroso fazer turnês e estar em contato com gente ativa na cena, tomar uma cervejinha em bares afora 🙂

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Entrevistas