Desculpem-me os desavisados, mas o choro é a maior instituição musical do Brasil. E Hamilton de Holanda um dos seus mais notáveis expoentes. O músico candango vem produzindo obras de qualidade inquestionável, colecionando prêmios e tocando ao redor do mundo há vários anos. No último dia 18 de dezembro, em Brasília, Hamilton se reuniu com muitos amigos – todos excelentes músicos – e familiares, fazendo pelo sétimo ano consecutivo um evento beneficente em favor da Abrace, associação que cuida de crianças com câncer.
O clima, apesar da seriedade da causa e importância do acontecimento, era de descontração, intimidade. HH, em casa, à vontade, cercado de parentes – o pai e o irmão, músicos, se apresentaram com ele – a esposa e o filho, muitos amigos e uma seleção impressionante de chorões.
O espetáculo começou com a sua versão de “Carinhoso”, de Pixinguinha, uma das composições mais belas e famosas da nossa história. Desnecessário dizer o impacto. Se o choro é a expressão máxima da música brasileira (e tenho vários argumentos a favor do axioma), os convidados formaram uma autêntica orquestra de música popular, interpretando vários clássicos do gênero. Desde “Agüenta, Seu Fulgêncio”, de Jacob do Bandolim e também nomes como Sivuca, num dos melhores e mais deliciosos momentos da noite, até músicas do próprio Hamilton que, diga-se, não fica muito atrás.
Thiaguinho do Bandolim, uma fera com pouco mais de 10 anos, foi um dos mais ovacionados. Pudera. O menino deu seu show particular, conseguindo se igualar em qualidade a todos os outros, mais experientes, além de esbanjar talento e virtuosismo. E pensar que tem gente que se impressiona com crianças infinitamente menos capazes que ele na música…coisa de quem não conhece.
Ás vezes, tinha-se 10 músicos no palco ao mesmo tempo, culminando na jam final, com todos os 17 que participaram celebrando com “Maracangalha”, hino popular de Dorival Caymmi. Bandolim, cavaquinho, violão, guitarra, baixo, bateria, teclado, acordeon, flauta, cuíca, saxofone, tamborim, triângulo, clarinete, pandeiro, trombone, zabumba. Todos instrumentos que foram tocados no palco, por gente com amplo domínio de cada um, criando uma parede sonora rica, técnica, suingada e convidativa.
É o tipo de show que você assiste com gosto, salivando e encantado. Além disso, lhe deixa de boca aberta, te faz dançar. Perdi a conta de quantas vezes eu e todo o público levantamos para bater palmas. Nada mais que merecido. Foram quase 2 horas de interpretação exímia, repleta de sentimento e capacidade técnica de parte do que de melhor foi produzido neste país nos últimos 150 anos.
Hamilton está longe de se comportar como a estrela que é. Extremamente simpático, brincalhão e espontâneo, foi o centro das atenções e também mestre de cerimônias, apresentando, comentando e chamando ao palco cada um que participou. Tudo isso explica parte do seu sucesso.
Sorte de quem compareceu. Quando você é contemplado com um concerto desta magnitude, tudo que pode fazer é registrar e agradecer. O choro está aí para quem sabe apreciar.