Brasília – 03.04.09 – Ginásio Nilson Nelson
Seu Jorge. O nome é simples. A música também. Tem a simplicidade gostosa (e extremamente difícil) que poucos conseguem fazer. Simples não significa pobre. A mistura de ritmos é um aperfeiçoamento daquilo que ele já praticava no Farofa Carioca: samba, funk, rock, ska, hip-hop, mpb, jazz, pop. E, como está no DNA da maioria destes estilos, muito improviso. Como um show deve ser, aliás. Sem maquiagem. Com suor, swing, movimento, entrega. O vozeirão é autêntico. Não precisa de truques de estúdio. O cara é um genuíno “band leader”. E o grupo atrás (bateria, baixo, percussão, cavaquinho, cuíca, gaita, violino, instrumentos de sopro) fazem a parede sonora que a brincadeira pede.
Cheguei no Nilson Nelson às 21:30. Horário marcado do show. Muita chuva em Brasília. O que pode servir de desculpa para o atraso, que no fim foi de duas horas. Como todo ginásio, o Nilson Nelson sofre pela acústica ruim, muito eco, ressonância. Normal. Chato. Mas nada que estrague. Em estrutura e manutenção, no entanto, parece consideravelmente melhor que outros irmãos mais velhos, como o Mineirinho.
Antes da atração principal, a abertura dos Ledjembergs “Queremos Ser Os Los Hermanos”. O grupo de Belo Horizonte até faz um som simpático, mas a cópia descarada da banda carioca seria melhor aceita se apostassem diretamente num cover. Mais honesto, ao menos. Sintomas do espaço deixado pelos hermanos no cenário musical brasileiro – e principalmente para a sua legião de fãs. Já vimos isto acontecer antes, e não seria diferente agora. Nenhuma dessas cópias, no entanto, chegaram a se destacar. E os Ledjembergs dificilmente vão. Apesar da resposta positiva de parte do bom público, já esperando por Seu Jorge.
De visual novo – cabelo raspado e barba feita – em virtude da gravação do filme “Reis e Ratos”, de Mauro Lima, Mr. Jorge chega despretensioso, soltando a voz com facilidade. Ainda na turnê de América Brasil (sem dúvida um bom disco, de afirmação, pós fenômeno de popularidade), seu show não dá espaço para decepções.
Ou, melhor dizendo, cabe três observações: a intervenção do violino nas músicas é interessante e costuma trazer bons resultados, colocando o instrumento num meio onde ele não é muito comum. Funciona bem, mas foi usado em demasia, chegando a irritar. Em toda brecha instrumental lá estava o bichinho. Um pouco de moderação na sua presença faria bem. Outro escorregão foi no inacreditável – PASMEM – solo de pandeiro! Três músicos “solando” por mais de 5 minutos no pandeiro é no mínimo constrangedor. Comparável ao odiado solo de bateria nos shows de rock. Momentos de exibição gratuita que geralmente trazem um anti-climáx imenso. Aqui, piorado por se tratar de uma intervenção realmente desnecessária, chata, de um instrumento que não é exatamente conhecido por sua virtuose. Embaraçoso.
A outra parcela de água fria veio no bis, com uma música instrumental. Absolutamente ninguém volta para um bis – com a galera empolgada querendo mais – com uma faixa instrumental. A não ser grupos do gênero. Deslizes que comprometem mas não mancham a qualidade, a vibração e simpatia do concerto num todo.
Comentando sobre “Burguesinha” aqui na Movin`Up, disse que Seu Jorge é um dos maiores hitmakers da MPB. Dono de hits suculentos, que ganham – e muito – na sua performance ao vivo, é sempre prazeroso poder cantar junto músicas que estão no imaginário do público. Sensação só experimentada, em 95% das vezes, apenas com artistas já estabelecidos. Atmosfera que faz muita, muita diferença.
“Burguesinha”, “Mina Do Condomínio”, “São Gonça” e “Carolina”, no bis, tavam todas lá. Faltou “Tive Razão”, sucesso do segundo CD (e do clip com Willem Dafoe). Dividindo espaço com as mais conhecidas tivemos os covers de “Chatterton”, de Serge Gainsbourg, bem diferente da versão registrada com Ana Carolina e “Mas Que Nada”, do mestre Jorge Ben.
Os lado B (ou quase isso) não ficam atrás. Há o reggae/ska de “Hagua”, a negritude escancarada de “Chega No Suingue” e a crítica à superficialidade do “sentido da vida num pedaço de silicone” dos dias atuais com “Mania de Peitão”.
Seu Jorge é entertainer mas não esquece da consciência. O cunho político/social de parte de suas músicas e intervenções não é forçado. Ele sabe o que faz, porque faz e como fazer. E tem atrás disso a experiência própria (chegou a morar na rua por três anos, diz a biografia do cantor) e a inteligência. Quando ele afirma, com propriedade, numa entonação que parece desafiar, inquerir “a carne mais barata do mercado é a carne negra”, como um hino, repetidas vezes, ele sabe o contexto disso e o que a música causa nas pessoas.
Em outro momento ele recita boa parte de “Nego Drama”, dos Racionais MC`s, como se fosse um poeta de rua tomado pelo espírito que só quem sente no sangue o que diz, tem. A letra fala por si só. E o fato da realidade retratada na composição não encontrar eco em quase ninguém dos presentes ali apenas torna a questão ainda mais rica e interessante.
Como dito, o show de Seu Jorge é carregado de improviso, dança, espontaneidade, suor e boa música. Momentos tensos, políticos, críticas sutis ou diretas feitas por quem sabe.
Mr. Jorge reúne boa parte da história da música negra, no mundo e da música popular brasileira na sua essência, no seu repertório. Indo além disso com outras influências e muita personalidade própria. Confirma que é um dos artistas mais relevantes da geração atual. E tem tudo para seguir onde merece por muitos anos. Que venha os próximos álbuns, shows, filmes, peças. “Jorge” parece ser um nome abençoado em se tratando de MPB. Sorte a nossa.