No texto sobre a nova versão de Umbabarauma, publicado há pouco tempo aqui, disse que Jorge Ben é, pra mim, o maior gênio da música brasileira. Sem entrar em querelas desnecessárias, afinal é difícil mensurar a genialidade, importância, impacto, influência, originalidade, etc, etc, fato é que Jorge Ben tem espaço eterno no panteão das maiores mentes que este país já produziu. E minha preferência por ele – em detrimento de Chico Buarque, Roberto Carlos, Cartola, etc – é também pessoal: Ben é o artista que mais me identifico, que mais ouvi, que mais fala diretamente a mim.
Infelizmente, perdi um sem número de oportunidades de vê-lo ao vivo e só pude reparar essa lacuna agora, em 2010. A expectativa, claro, era a maior possível. Ainda mais pelos relatos do último show dele em Brasília, em dezembro de 2009, no mesmo dia que o Flamengo saiu da fila de 17 anos sem título no Campeonato Brasileiro, quando Ben tocou obviamente entusiasmado, suas músicas completas por muito e muito tempo.
Sabia, no entanto, que era um festival. Formato que por si só já traz certas limitações. E quando Ben entra no palco com a indefectível “A Banda Do Zé Pretinho” percebemos que um dos problemas será justamente esse: a banda. O som nas três primeiras músicas ainda contribuiu para a sensação esquisita de estar ouvindo um karaokê. Totalmente mal equalizado, distribuído e com a banda quase inaudível. Cadê a força da cozinha? Cadê o punch? Cadê aquele swing único e a força instrumental que sempre foi um dos trunfos de Ben?
Quando o som melhora – e aí já foram “Santa Clara Clareou”, “Ive Brussel” – o caldo entorna porque Ben, na ânsia de tocar o máximo de músicas no curto espaço de tempo do festival – começa a fazer “medleys” que, mais que isso, são verdadeiros Frankenstein’s: retalhos de diversas composições em uma só, tirando boa parte do apelo, da graça, da sensação gostosa de poder saborear a rica e suculenta música de Jorge. É frustrante perder todos os detalhes, todo o “crescendo”, o ambiente e a sensação afetiva que cada música carrega.
Num repertório de praticamente 50 anos de carreira, claro que também faltou muita coisa. Mas fora músicas “menos conhecidas”, que fariam minha alegria total, não rolaram nem “Mas Que Nada”, “Chove Chuva”, “Caramba…Galileu da Galiléia”, “Jorge da Capadócia”, “Por Causa de Você, Menina” e “Take It Easy My Brother Charles”. Ausências mais que sentidas.
No meio de tanta mistura, tanto “refrão daqui, refrão de lá, passagem de acolá, refrão de outra” até a diversão fica muito aquém do que poderia. De completa mesmo só a dispensável “W/Brasil” e o fim tradicional com “Gostosa” e “Taj Mahal”. A polpa, comprometida, teve “A Minha Menina / Que Maravilha / Zazueira”, “Que Nega é Essa / Que Pena (Ela Já Não Gosta Mais de Mim)”, “País Tropical”, “Fio Maravilha”, “Os Alquimistas Estão Chegando Os Alquimistas” / “Magnólia” / “Menina Mulher da Pele Preta”, “Minha Teimosia, Uma Arma Pra Te Conquistar”, “O Telefone Tocou Novamente”, “Do Leme Ao Pontal”, “Turba Philosophorum”, “Alcohol”, “Spirogyra Story”, “Salve Simpatia” e a turbinada “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)”.
Bom repertório, se completo. Retalhado e suprimido, não. Necessário dizer aqui que não é de hoje que Jorge faz uma série de medleys em sua carreira, ao vivo ou em estúdio e projetos especiais (como o bom Acústico MTV). O problema é o show ser composto somente de medleys e ainda mais da forma como foi feito (trechos curtíssimos e refrães diversos). A impressão que se tem é que a banda toca a maioria das músicas no automático, com Jorge ditando o ritmo da brincadeira, a ordem das músicas e o próprio tom com que são executadas. Pouco mais de 1 hora e meia de show que deixa um gosto estranho na boca.
Nada que afete a genialidade do homem. Dado o show em Brasília ano passado e até um concerto de 4 horas (!!!) que ele apresentou no Rio em 2009, parece somente que a solução encontrada por Jorge para apresentações curtas não é exatamente a melhor. E o set-list dessa noite específica não foi muito feliz. Fica pra próxima.
Fotos: Equipe do Festival
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