Do Veia Urbana
Em algum momento da noite, os músicos Bruno Buarque (bateria), Lucas Martins (baixo e guitarra), Guilherme Ribeiro (teclados e acordeon) e o DJ Marco faziam uma camada sonora para acertar os últimos detalhes de seus instrumentos. Camada que já começava a preencher todos os espaços do lotado Grande Teatro do Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Depois de poucos minutos, um som de pássaros e de natureza já entrega que em seguida a cantora Céu iria entrar em cena na música “Espaçonave”.
E ela aparece. Cabelos enrolados, um par de sandálias pretas meio vintage e um vestido estampado pouco acima dos joelhos cobrindo o corpo magro que lembra uma garota com rosto de menina até o momento em que ela abre a boca e solta os versos “pode mandar embrulhar que eu quero te levar pra viagem” com aquela melodia gostosa e convidativa de “Espaçonave”. É alí que começa a viagem naquela última sexta-feira de março. E graças à sua banda, a viagem proposta vai oscilando entre a câmera lenta em alguns momentos e a psicodelia lisérgica em outros momentos misturados com alguns toques da Jamaica. Algo que pode ser entendido sem palavras, apenas com som ou fumaça para acalmar corpo e mente.
A viagem proposta naquele momento gira em torno do som. Som que tanto pode deixar o corpo mole e jogado no espaço (“Malemolência”, “Lenda”, “Grains de Beaute”) quanto aumentar o ritmo e a frequência dando aquela vontade de dançar (“Cordão da Insônia”, “Bubuia”). A malícia sonora do dub imposta pela banda aquece e faz a cama para que Céu sinta-se à vontade no palco e destile o repertório de seus dois álbuns lançados (Céu, de 2005; e Vagarosa, de 2009). Obras que podem (e devem) fazer parte de qualquer discoteca básica da nova música brasileira produzida nesse início de século.
httpv://www.youtube.com/watch?v=7NwR-Vyu7fY
Céu fica tão à vontade que entra na onda de uma espécie de cannabis sonora e dança e remexe o corpo em cima do palco. A cantora entrega-se e se transforma em uma espécie de meretriz a serviço da música, exibindo uma sensualidade até inédita. Principalmente para quem está acostumado a ver entrevistas em que ela se mostra uma mulher tímida e reservada. Mas naquele palco ela vive o momento e é levada pelas ondas, pela mistura do som que está no ar do Grande Teatro. Tudo de um jeito meio moleca, meio mulher com aquele timbre que lhe é peculiar. Meio maquiada, meio largada, meio criança traquina, meio safada. E mesmo com a impessoalidade que uma apresentação em teatro possa impor, Céu consegue jogar, brincar e conversar com o público entre uma música e outra.
httpv://www.youtube.com/watch?v=fHoiMtZxpi4
E dessa maneira ela segue com o show e em determinado momento apresenta uma trinca que sintetiza bem a viagem da noite: “Cangote”, espécie de ode à leseira e à preguiça, unida com “Visgo de Jaca”, de Martinho da Vila, e a dançante e ao mesmo tempo relaxante “Cordão da Insônia”. Isso para, em seguida, apresentar uma versão peculiar de “É preciso dar um jeito meu amigo”, de Erasmo Carlos. Até o momento em que canta “10 Contados” e se encanta com a participação do público acompanhando a letra. Principalmente os que se levantaram das cadeiras do teatro e ficaram na beira do palco a convite da própria cantora.
httpv://www.youtube.com/watch?v=t84ydd_XjRE
Pelas canções da noite ainda estavam “Nascente” (com um belo jogo de luzes), “Sonâmbulo” e “Rainha” até chegar ao bis com “Valsa Para Biu Roque”, acompanhada de um silêncio absoluto dentro do teatro para emoldurar versos que mereciam tal atenção: “A mais bela melodia / foi roubar pra minha história / sua poesia de outrora”. E antes de embalar a noite em uma seda e dispensar o público, Céu dispara um “já que o pessoal tá falando que eu vim da Jamaica” antes dos músicos começarem a introdução de “Concrete Jungle”, versão que gravou para a música de Bob Marley. E é com esta canção que ela fecha a viagem da noite de maneira que lembrava o início: bem calma, suave e relaxante. E olha que Céu está longe da perfeição…
Foto daqui.