Mais que um rótulo crítico e uma necessidade questionável de classificação, o Metá Metá é a banda brasileira dos anos 10 por excelência, por competência e direito. E que bom que temos na figura do trio formado por Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França essa espécie de think thank do independente brasileiro. Que bom que não só produzem boa música, mas o fazem assumindo a tradição, o legado e a influência sobretudo da música e da cultura africana. Porque não existe Brasil sem a África. São indissociáveis em absolutamente todos os campos da vida nacional. Forjado integralmente pela mão de obra escrava negra e indígena, é no conflito de colonizadores e escravizados, na tensão permanente de uma elite cretina e vil frente a esta população que, a contragosto, formou a identidade do que somos.
E não existe música brasileira sem a matiz africana. Melhor dizendo: a cultura desse país é a cultura negra, mestiça, de sincretismo inegáveis. É esse caldo denso que cozinha nossas aspirações sonoras, estéticas, líricas, estruturais. É essa essência e essa tradição que, de um jeito ou outro, passou muito tempo sendo tratado com algum desdém, de influência velada, de sambinha acadêmico e asséptico.
O Metá Metá, banda sob influência, vai na contramão dessa assepsia. Se aspira a alguma vanguarda na forma – e de fato aspira – se tem no seu seio a busca pela desconstrução do convencional e flerta com experimentações variadas, é, também, música de suor, sangue e vísceras. É das entranhas muito bem estudadas e da primazia do caos muitíssimo organizado que o trio mostra, em estúdio e no palco, essa vocação burilada pelo interesse e pela experiência. Assim são todos os shows do Metá Metá e assim foi no último Festival Criolina, em Brasília. Assim são todos os discos e todos os projetos que participam ou encabeçam para além do MM. Trabalho em construção no último grau. Sempre um work in progress também político e inflamado.
A música deles é tão violenta, torta, hostil, ritmada, paradoxal, convidativa e colérica como o próprio povo brasileiro. No fim, Dinucci reafirma a importância da ocupação da cidade. No caso, Brasília. Conta um pouco da relação da banda com a capital do país, presta solidariedade a dona do Balaio Café, fechado por pressões reacionárias e reforça que a arte não pode nem deve ser passiva e neutra. Somos filhos da época e a época é política. Dinucci, Marçal e França, acompanhados de Marcelo Cabral e Sérgio Machado, sabem disso muito bem.
O Metá Metá faz política em cada acorde e cada letra sem cair no panfleto e na opção fácil. Foi gradativamente aumentando o peso e o tom. Lentamente se imbuindo mais e mais daquilo que querem transmitir. Penetrando na pele do ouvinte, crescendo em importância, qualidade e provocação. Incutindo uma dúvida, a própria inquietação no vocal esplêndido de Juçara, no sax de França, na guitarra de Dinucci.
Que bom que temos o Metá Metá para concretizar isso, para abrir espaço no fio da navalha, para lembrar esse país o que ele é e deixa de ser. É a melhor e mais relevante banda da atualidade. Oxalá.