Kurt Cobain é um desses que foi salvo pela morte. O suicídio o poupou do envelhecimento das ideias, das repetições cacetes, da decadência indiscriminada e do escrutínio impiedoso, da inevitável e crescente insignificância. A morte o salvou da caricatura. Impediu que se tornasse o roqueiro arquetípico resmungando suas ninharias, vestido de suas angústias em decomposição, participando de programas duvidosos, desmanchando-se em entrevistas cretinas. Que bem a morte fez para Cobain, alguém que flagrantemente não veio ao mundo para durar. Uma benção reservada cada dia mais para poucos.
O salvou da humilhação de si mesmo. Poupou tantas e desnecessárias idas ao psiquiatra, tanto tempo perdido a vagar por clínicas de recuperação, tantas declarações vexatórias, tantas letras vergonhosas. O poupou da ideia ridícula de legado. Dos fãs que não sabem e nunca saberão envelhecer. O poupou dos clichês, da cafonice existencialista, da adoração abjeta.
Não há adoração mais abjeta que a do eterno adolescente. Evitou que se refestelasse na vala do previsível. Do polemismo acéfalo, a iconoclastia de boutique, a rebeldia plastificada. A morte o poupou de passar o resto da vida implorando por atenção. Das overdoses sempre à espreita no camarim ou no silêncio de casa.
O salvou da decrepitude do amor doentio e da sanha sensacionalista, sempre no cio. A morte foi a solução imediata para quem sabia, queria e se preparou para tanto. De chegar aos 50 anos como espantalho de uma época gloriosa alçada ao pedestal para queimar. De mais duas décadas pedindo perdão. Do privilégio de ser estúpido recebendo aplausos. De não precisar se arrepender. 50 anos de alívio.