Na brincadeira (prazerosa, árdua, injusta) de definir os melhores da década, começo aqui a série dos discos escolhidos por mim, entre nacionais e internacionais, sem ordem de preferência. A fagulha da coisa é a tradicional lista do Scream & Yell, que reunirá os votos de boa parte da confraria de críticos, jornalistas, músicos, etc, que fazem o cenário musical brasileiro e que tenho a honra de participar. A apuração & cobertura do MAC deve sair no fim de dezembro/início de janeiro.
Até lá, podemos antecipar e dar uma leve destrinchada nas minhas escolhas. Pra começar, simplesmente um dos melhores e mais relevantes entre o top 10. A estreia de Wado, em 2001, é uma das obras mais completas e bem acabadas da lista. Ao mesmo tempo em que dá o tom, já no título, da arte latino americana por excelência.
httpv://www.youtube.com/watch?v=oRmfLqlCCv8
Foi o primeiro disco dos anos 2000 a chamar novamente atenção para o nordeste fora do nicho (importante, mas desgastado) de Nação Zumbi/Mundo Livre e a turma do mangue beat. Música inteligente sem chatice, poética e despretensiosa, deliciosamente pop e experimental na medida. Como exala a sequencia de “Beijou Você”, “Sopro”, “Ontem Eu Sambei”, “A Linha Que Cerca O Mar”, “Um Um” e “A Coisa Mais Linda Do Mundo”.
httpv://www.youtube.com/watch?v=W0Lpj-vwg0Q
Pensar que duas dessas são concessões agradáveis, interessantes e que não soam gratuitas – Sopro e Um Um – geralmente feitas por artistas maduros, no ápice, com domínio do que bem entendem. Wado começou com autoridade. “A Tragédia Da Cor” já anuncia “você bem sabe em que ponta, a corda sempre arrebenta”. Mas é em “Alagou As”, óbvia referência ao estado chave do rapaz, que a trajetória e a busca de Wado se resumem:
httpv://www.youtube.com/watch?v=iTeqQmlGvY4
Arte periférica, velho samba, Salvador
Lira, Vergéu, Prado, Ouriu, Curriu
Que a margem chegue ao centro
Que se mostre na grande circo
Levanta esta bandeira
A bandeira da diversidade
Dos compositores de bairros distantes
Levo este estandarte
Para logo emendar com o primeiro clássico: “Uma Raiz, Uma Flor”, desde o nascimento uma das maiores canções da música brasileira no século. Ainda viriam “Feto” e “Diluidor”, sempre com timbres gostosos e não óbvios de guitarra, experimentações em estúdio, letras merecedoras de algo como “marcante”.
httpv://www.youtube.com/watch?v=iFXNPHQFbNI
O mosaico sonoro de “O Manifesto da Arte Periférica”, amplo, rico, de difícil delimitação, seria explorado continuamente nas obras posteriores, sempre coeso e sempre diferente, como o último, “Atlântico Negro”. Wado construiu, sabiamente, uma das melhores discografias da década e é complicado imaginar estreia mais significativa que “O Manifesto”.
E ela tá toda disponível para download oficial e gratuito no site oficial. Vai lá e seja feliz.