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Breaking Bad: marco da TV ou argumento bem vendido?

Ou, mais correto, ambos? Cheguei tarde no hype de Breaking Bad: comecei a conferir todas as temporadas do show que estreou em 2008 somente agora, em 2013. Estava ocupado com outras coisas, acredito, e séries costumam tomar um tempo danado que eu não dispunha, ou mesmo saco de ficar em frente a TV ou ainda uma internet boa o suficiente para alimentar os milhões de downloads ilegais que alimentam o sucesso mundo afora não só de Breaking Bad como de tantas outras.

Afinal, se considerarmos que o último episódio registrou quase 10.3 milhões de espectadores nos Estados Unidos, sendo o terceiro episódio final de série mais visto da história, atrás de Sopranos (11.9 milhões) e – pois é – Sex And The City (10.6 m), a grande questão é mensurar seu alcance não só de audiência em todo o mundo, como de influência cultural. E nisso a internet é prodigiosa.

Muito se tem falado, e com razão, que os Estados Unidos vivem a era de ouro da televisão. Nunca se teve tanto dinheiro e recursos em programas inventivos, arriscados, que de certa forma desafiam a audiência e proporcionam um timing e a oportunidade de explorar uma história que Hollywood, na maioria das vezes, já não comporta.

Carlos Merigo fala muito bem sobre isso e sobre Breaking Bad nesse ótimo post.

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SPOILERS ADIANTE, NÃO LEIA SE VOCÊ AINDA NÃO ASSISTIU A SÉRIE

Não há dúvidas sobre o trabalho excelente de pesquisa, roteiro, desenvolvimento de personagens e encadeamento de acontecimentos que Vince Gilligan e sua equipe conseguiram construir aqui. Já no primeiro episódio é possível encontrar, entretanto, a base de tudo que a série iria explorar: o protagonismo de Walter White na fabricação da metanfetamina e na parte suja do trabalho em si, matando uma ameaça direta e deixando a outra inconsciente – resultando num dos desfechos mais simbólicos da primeira temporada – a figura problemática de Jesse Pinkman, que encontra em Walt um pai, sempre na busca da auto-afirmação e da aprovação do “parceiro”, o câncer de Walt, bom argumento para ele “tocar o foda-se” e se sair da vida monótona de professor de química que levava até ali, a importância de Hank, cunhado de Walt e agente do departamento anti-drogas de Albuquerque, enfim, “Pilot” entrega a essência do negócio.

Durante toda a primeira e segunda temporada, Walt e Jesse são alfabetizados no mundo do crime e passam por maus bocados até começarem a construir sua própria história, que ganhará novos ares com a entrada em cena de Gustavo Fring, o chefão local das drogas.

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Clichês bem retrabalhados

Se há um enorme mérito, “Breaking Bad” também recorre a uma infinidade de clichês que o time de roteiristas faz questão de mixar: a necessidade de mostrar que todos tem um vício e um “desvio” de caráter visível, seja no cigarro de Skyler, inclusive durante a gravidez, na cerveja onipresente de Hawk, no diagnóstico de cleptomaníaca de Marie, no uso do baseado pelo irmão mais novo – e prodígio – de Jesse e assim em diante.

A família, tema “caro” para a série, é usada sempre como artifício de extra carga dramática e situações de vulnerabilidade da história do que exerce, de fato, alguma contribuição decisiva para a série. E daí deriva os piores momentos, especialmente na personagem histérica, desequilibrada e sempre “preocupada com todo mundo” de Marie e na sua relação com Skyler. Longos trechos são dedicados para mostrar a relação de Walt com o filho que tem paralisia cerebral, um bom trabalho do estreante RJ Mitte, mas que acrescenta pouco para a série. “Breaking Bad”, por vezes, se torna um novelão para a família americana. Um novelão em que corpos são desmanchados na banheira de casa, crianças são assassinadas e a “moralidade” é discutida em inúmeros pontos de vista. A família, afinal, ocupa o centro do drama. Na ficção ou na vida real, diga-se. Mas há caminhos e caminhos. Saul Goodman, o advogado canastrão, é um baita alívio cômico do excelente Bob Odenkirk. Produzir um spin-off baseado somente em Saul, como já está em andamento, parece uma ideia ruim, no entanto.

Neste depoimento, Gilligan fala sobre a influência de “Rastros de Ódio” de John Ford – da qual a série chupou muito e também de Anton Chekhov, entre outros. “É sempre uma questão de roubar do melhor”, ele afirma. E é mesmo. Dá pra dizer que o deserto de Albuquerque, no Novo México, fundamental para a ambientação da série e toda sua mise-en-scene pode se comparar ao Monument Valley, palco da maioria dos filmes de John Ford? Sim. Com as devidas proporções e também semelhanças, ambos são parte fundamental do impacto visual, estilístico e da influência que se pretende criar.

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A série certa no tempo certo

Realmente, “Breaking Bad” se encaixa num momento único da TV enquanto centro dos melhores dramas feitos no mundo hoje. Ou, claro, dos melhores dentro de uma lógica de produção e retorno da maior máquina do gênero que são os Estados Unidos. O drama e a violência enquanto cultura pop, com ganhos pop e palatável para a maioria.

“Sopranos”, “The Wire”, “Mad Men”, “Boardwalk Empire”, “Homeland” e “House Of Cards”, exemplares de uma nova era da TV americana. “Breaking Bad”, celebrada como a série melhor avaliada de todos os tempos, alcançando incríveis 99 de 100 pontos possíveis no Metacritic, site que agrega análises de críticos do mundo todo, é impressionante.

A gradual mudança de White, referendada como um dos principais marcos da produção, acompanha seu principal apelo. E aí você tem um roteiro buriladíssimo, um timing perfeito, um momento favorável, alguns atores dando o melhor de si, um produto bem embalado, as redes sociais e o marketing para um ícone da cultura pop.

Com todos seus problemas e escolhas discutíveis de roteiro (sobretudo no final da segunda temporada), “Breaking Bad” estabelece um novo paradigma e servirá de referência por muito tempo. Muito mais do que Vince Gilligan, que tinha trabalhado principalmente em “Arquivo X” antes daqui, poderia esperar. E muito mais do que a TV costuma oferecer.

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Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques TV/Séries/Web