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O metal vem do proletariado: é bom que o Violator nos lembre disso

Para quem não acompanha o minúsculo mundinho do metal brasileiro > na última sexta o Violator postou uma foto com o dedo do meio em riste escrita “Foda-se J*** M*** B****”. A atitude, tão infantil quanto simbólica, foi o bastante para que o enxame de trolls de sempre invadisse a página da banda, das melhores do thrash nacional, assim como revelou a mentalidade tacanha e reacionário de boa parte da “metalerada” e do “roquero” no Brasil.

Fato é que, pra não me estender muito, o metal vem do proletariado. O metal vem de uma cidade industrial (Birmingham, na Inglaterra), criado por 4 moleques que não tinham sequer sapato pra usar e viam na crise econômica e na situação do mundo, mergulhado em guerras como a do Vietnã e repleto de revoluções sociais, algo muito diferente daquela alegria hippie da cultura “flower power”. O som, as letras, a atitude e a estética de Ozzy, Tony, Geezer e Bill era um sinal de dizer “ei, não tá tudo bem”. O Black Sabbath é esquerda revolucionária, os hippies são a esquerda + amô pufavô da Vila Madalena. As biografias do Sabbath, do Ozzy e de Iommi entram nos detalhes disso, ainda que, óbvio, a banda nunca fez da sua discografia um libelo político. Mas ouça “Killing Yourself To Live”, por exemplo, do clássico “Sabbath Bloody Sabbath”, em letra de Geezer:

You work your life away and what do they give?

You’re only killing yourself to live

Just take a look around you what do you see

Pain, suffering, and misery

It’s not the way that the world was meant

It’s a pity you don’t understand

Killing yourself to live

Ainda que tenha se subdividido em dezenas de estilos e inclinações diferentes – inclusive no nacionalismo e na xenofobia de boa parte das bandas de viking/black metal, etc – o metal, pode-se dizer, foi criado e desenvolvido por outros moleques excluídos que viam nas suas letras e na sua música uma maneira de mostrar sua insatisfação: o thrash metal em particular, que conserva e flerta e cresceu junto com o hardcore. Os exemplos são muitos. Toda a velha guarda do thrash se caracterizou por isso. Metallica, Slayer, Nuclear Assault, Sodom, Artillery, Anthrax, Megadeth, Kreator, a lista segue sem fim.

O documentário “Global Metal”, em que Sam Dunn visita vários países ao redor do mundo para investigar as origens e as relações dos fãs com as bandas, mostra como o metal tem esse viés de ser quase sempre proletário, um canal pelo qual as classes de trabalhadores, a ralé e a juventude encontra sua forma de expressão. A Indonésia, por exemplo, tanto em termos de cena quanto de país no geral, guarda muitas semelhanças com o Brasil.

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Aqui, Refuse/Resist talvez seja somente a mais simbólica delas. De uma banda que sempre teve um tom político e social implícito. “Chaos AD”, aliás, está repleto disso. Hoje, num tempo em que boa parte das bandas de rock/metal flertam com o reacionarismo infantil e o público vai na esteira, com o metaleiro brasileiro tornando-se um estereótipo do alienado, atitudes simples como as do Violator servem pra lembrar que nem tudo está perdido.

Silence means death

Stand on your feet

Inner fear

Your worst enemy

Refuse/resist

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Cena BR