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Frank Ocean: estranhamento familiar num possível clássico instantâneo

Num mundo em que tudo já parece ter sido feito, retorcido, remixado, adaptado, digerido, expelido, Frank Ocean consegue adicionar um pouco de novidade na música negra atual. “Super Rich Kids” e sua batida marcante, sincopada, permeando o vocal calmo e poderoso de Ocean, é um belo exemplo.

Há, em todo o álbum, uma espécie de resgate da essência, do feeling, do swing tão fundamental que fez a música negra ser o que é e que vinha sendo tão negligenciada, esquecida, distorcida. É super produzido, mas não passa do tom. A tonelada de ferramentas de estúdio disponíveis não tiraram a verve da música de Ocean.

httpv://www.youtube.com/watch?v=sDSPybTFYHU

Inegavelmente moderno mas não artificial. Com um aspecto saudosista e de celebração ao passado, sem ser apelativo. Frank resgata o que há de principal, de elemento formador e cola estes períodos, remonta essa bagagem com propriedade, coloca suas próprias cores na paleta.

Funcionando como uma legítima trilha sonora pensada e calculada porém orgânica nas suas 17 faixas, “Channel Orange” traz quase que um certo estranhamento. Você já ouviu isso antes numa pancada de lugares. Estranhamento familiar. Parece truque, mas não é. Você desconfia, pensa um pouco antes de ter certeza. E aí cede.

Lá pela metade você já está completamente conquistado. Frank canta um mundo um pouco decadente, confuso, dúbio, real. Longe das infinitas celebrações ao dinheiro, baladas, sexo barato puro e simples. Das letras repetitivas e acéfalas que tomaram conta do hip-hop americano desde o final dos anos 90.

Mesmo quando se aproxima de uma temática parecida é numa música deliciosa como “Lost”, com uma letra que flerta com o vulgar e o clichê de maneira peculiar.

httpv://www.youtube.com/watch?v=VsCjM7Y5JNY

“Monks” recupera aquele “acento jazzístico”, aquela presença marcante do baixo, da linha de swing constante, do instrumental recortado, apontando diferentes caminhos. Tudo que anda em falta no hip-hop mainstream, Ocean consegue trabalhar muito bem com seu talento.

É um disco ousado, preciso e acessível. Te conquista logo de cara. De um artista novo e corajoso. E o fato de ter assumido ser gay é apenas um dos fatores “externos” a isso, num meio tão historicamente preconceituoso como o hip-hop. Frank Ocean produziu um dos melhores discos do ano. E tudo indica que terá uma carreira brilhante pela frente.

Ouça Channel Orange no Grooveshark

Baixe o disco no New Album Releases

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Destaques Reviews de Cds