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“Cavalo” e o exílio voluntário de Rodrigo Amarante

Rodrigo Amarante não quer entregar o óbvio. Não quer cumprir a expectativa que se criou em cima dele. Não quer ser a “veia rock”, o “cara pop”, a aposta segura para bailinhos mais animados da banda mais amada e odiada da última década no Brasil. Amarante escolheu se exilar de si mesmo. Escolheu se recolher em aventuras destoantes, frases meticulosamente pensadas, numa espontaneidade fria. Há pouco de Los Hermanos, Little Joy e de Orquestra Imperial aqui.

Há, por isso mesmo, a estreia solo de um artista que busca a melancolia em seus tons mais sombrios, obscuros, soturnos. Amarante é o Mersault de Albert Camus. É Nick Drake imerso na ressaca do tropicalismo. Como ele declara na própria carta que escreveu para o disco, se reconheceu no vazio, nas saudades eclipsadas, saiu de si para poder enxergar-se melhor, o duplo, o outro, o meio entre diversos mundos, o Cavalo, afinal.

Expondo a mais forte característica da melancolia, a beleza que escorre por entre seus lamentos, algo brilhantemente trabalhado nas diversas formas de arte ao longo do tempo, Amarante quer ser cáustico e despido de excessos. A capa, que se limita a listar as letras em preto e branco, o minimalismo da abordagem, a secura dos timbres que, mesmo quando “quentes”, caso de “Hourglass”, exalam uma busca comedida e uma construção quebrada. Há muito por trás da aparente simplicidade monotemática arrastada do disco.

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Se há o peso de se ver estrangeiro seja em terras alheias seja em seu próprio país, se há a necessidade de shows de reunião caça-níquéis como o que o Los Hermanos fez nos últimos anos, se há o fardo da vida besta e dos questionamentos constantes, da opção estética em lidar com diversas línguas – português, inglês, francês – Amarante abraça uma miríade de texturas bem trabalhadas, de tons em aparente contraste, de peças cuidadosamente fora do lugar que geram uma harmonia admirável.

“Mon Nom”, “The Ribbon” e “I’m Ready” são sintomáticas nisto. Não dá pra negar que Amarante fugiu da sua zona de conforto, foi um autêntico anti. “Cavalo” é um disco de oposição, de vazio, de quebra, de devaneios, lamúrias, saudades, dores e alegrias. De uma paz de espírito atormentada. De um lamento que não passa, apesar de algum gozo no caminho. Como é todo exílio. Sobretudo, soa como uma obra autêntica, capaz de transformar em boa música – “Irene”, “Maná”, “Tardei” – os fantasmas que só mesmo Amarante sabe como expiar.

É um parto, uma quebra, uma conjuração. Ouça de novo.

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Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds