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Cícero, que não chegou a ser Camelo, quer ser Leminski

Com “Canções de Apartamento” – nome sintomático, confessional – Cícero “despontou” na música independente nacional – ou seja, o suficiente para ser comentado entre as rodinhas de jornalistas e atrair público superior a 150 pessoas – com uma música embebida da eterna e aparentemente insuperável influência do Los Hermanos no cancioneiro indie.

Com “Sábado”, seu disco recém lançado (para download gratuito no site oficial), Cícero resolve enveredar pelo que chamamos de “experimental”, “concretista”, de “vanguarda”. Ao invés do formato tradicional da canção melancólica com ponte, refrão e variações esperadas permeadas por versos da triste vida urbana de amores partidos e tédio onipresente, Cícero aposta numa “espécie de” poesia concreta, em estruturas quebradas e ao mesmo tempo monotemáticas, em incursões em texturas arrastadas de piano, violão e bateria.

Cícero, que não chegou a ser Camelo, quer ser Paulo Leminski. Ou Chico Buarque. Ou Tom Zé. Ou Walter Franco domesticado. Ou qualquer um que tenha quebrado minimamente com o padrão tradicional que estamos acostumados. “Fuga N 3 da Rua Nestor”, que abre o trabalho, é o exemplo perfeito. Em “Capim-Limão” a gente quase dá uma chance pro álbum, pensa que “ei, peraí, não é tão ruim assim, tem alguma coisa aqui”.  Em “Pra Animar o Bar” e sua pegada pretensamente “atonal” o disco já começa a ficar intragável. E aí “Ela e a Lata” azeda tudo de novo. “Asa Delta” e “Frevo Por Acaso” não melhoram muito o quadro. Pouco se salva no disco.

Leminski colaborou especialmente com Moraes Moreira, Itamar Assumpção, A Cor Do Som e José Miguel Wisnik. Cícero tem colaborado bastante com seus “irmãos em armas”: Camelo, Silva, Momo.

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Não que eu nutra grande apreço por Leminski ou Camelo. Como quase todo “artista”, a trajetória de ambos me parece repleta de “erros” e “acertos”. O excesso do uso de aspas aqui revela mais o meu cuidado em cair em definições tacanhas, rasas e perigosas. E também da preguiça em explicar demais algum conceito. O “crítico”, como o artista, precisa optar por certos caminhos que nem sempre são exatamente os “melhores” ou mais amplos, mas um equilíbrio que consiga dialogar com o público a que se dirige da melhor maneira possível e dar vazão ao que almeja. Salvo em casos específicos. Ou de gênios.

É mais ou menos neste paradoxo que Cícero se encontra. De fato, ele quebra – de certa forma, uma quebra comedida – com sua obra até aqui. Busca um público mais “maduro”. Pode, dependendo pra onde o mercado soprar, expandir sua plateia. Merece aplausos pela coragem, não pela execução. Talvez Cícero encontre boa recepção na crítica carioca, há muito – e bota muito nisso – território vasto para a brodagem e a condescendência quase indecentes.

Cada um tem o direito de ter a pretensão de ser o que bem entende. Como se diz no popular, é provável que Cícero tenha dado “um passo maior que as pernas” com “Sábado”. A maneira de lidar com os ferimentos é que determinará o que será sua carreira daqui em diante. Na ânsia de ser Leminski, Cícero acabou, no máximo, se irmanando de um Carpinejar.

Jornalista investigativo, crítico e escritor. Publico sobre música e cultura desde 2003. Fundei a Movin' Up em 2008. Escrevi 3 livros de contos, crônicas e poemas. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística (2019) da Sociedade Interamericana de Imprensa na categoria “Opinião” com ensaio sobre Roger Waters e o "duplipensar brasileiro" na Movin' Up.

Published in Reviews de Cds