A fórmula do post-rock esgotou-se rápido, no Brasil e fora daqui. O Hurtmold, embora sempre bebesse forte em outras fontes, como o hardcore “fora do óbvio” de Minutemen e Hüsker Dü e em experimentalismos eletrônicos (que Maurício Takara levou como projeto solo), pagou o preço. Banda símbolo do tal “post-rock” brasileiro, a estafa era visível após o ótimo disco auto-intitulado de 2007, culminando 5 anos depois no fraco “Mils Crianças”, de 2012.
Se, lá fora, não dá pra achar um Godspeed You! Black Emperor em cada esquina (e não dá mesmo, dada a megalomania, a profundidade, influência e arcabouço estético dos canadenses), sobrou pra Explosions In The Sky, Mogwai, Sigur Rós e companhia o fardo pesado da síndrome de burnout musical que, no duro, não leva ninguém a nada. Independente de se agarrar e se misturar a outras possibilidades para arejar o seu som, o Hurtmold seguia seu posto como uma das melhores e mais interessantes bandas do Brasil.
E é justamente uma dessas buscas que agora é materializada em disco. Foi no Festival Eletronika de 2008 que a parceria nasceu: Hurtmold e Paulo Santos, do Uakti, encontravam-se para fundir o histórico experimental do grupo mineiro, conhecido pela fabricação e uso de instrumentos “inusitados”, com as paredes sonoras criadas pelos paulistas. Eu estava lá e aquele foi sem dúvida o melhor show do festival.
Eis que 8 anos depois a parceria é organizada e lapidada para nos dar “Curado”, disco que, ao mesmo tempo que nasce com poucas chances de dar errado, poderia ter incorrido no erro crasso do exagero, da pilhéria, do oportunismo vazio. Não é o que acontece: seja na carta de intenções que é “Pastel de Pixo”, seja no quase harsh noise orgânico de “Yice”, na beleza rasgante das harmonias tortas de “Olha o Queijo”, na regravação precisa e madura de “Bulawayo”, a aproximação aconchegante e paradoxalmente ameaçadora de “Rosas” e o desfecho intenso de “Dimas”, o que “Curado” nos oferece é, seguramente, um grande álbum não só para o que a safra de música experimental brasileira – este balaio bem grande que cresceu em quantidade e qualidade nos últimos anos – quanto na própria música instrumental mundial.
Quando se olha para a lista de instrumentos utilizados, de guitarra, baixo, bateria, percussão, sintetizadores, teclados, clarinete, vibrafone e etc para o leque de opções imenso de Paulo Santos (darbuka, saxtubo, cacho de pvc, trimi, berimcéu, kalimba elétrica, flauta de pvc, tubo em lã, erhu, flauta de bambu) é fácil entender o sonoro caldo grosso que “Curado” derrama na sua orelha. Mas nada disso seria suficiente ou garantia de boa música se os músicos envolvidos aqui não estivessem absolutamente inspirados e sabendo, às vias da ourivesaria, entregar algo o mais próximo possível das suas ambições artísticas.
Não estamos diante de um daqueles discos que pisam fundo no acelerador para mostrar quão “variado”, “complexo”, “quebrado” e “vanguardista” ele é. Todos os envolvidos já passaram – há muito – dessa fase, se é que um dia tiveram. A profusão de adjetivos e de tentativas trôpegas de definir, explicar e teorizar sobre a música de “Curado” é necessária, mas insuficiente. “Curado”, no entanto, não é obra para um paladar infantil, mas cresce absurdamente em sabores e ambiências para quem sabe e consegue apreciá-lo como merece sem – importante que se diga – afastar os curiosos de primeira hora. Sempre um ponto dificílimo de alcançar.