Conheci a Herod Layne totalmente por acaso há mais de 2 anos e meio atrás – parece que o tempo anda na velocidade da luz – e de cara me interessei pelo som do trio (hoje quarteto). Pink Floyd, Sonic Youth, Mogwai e GY!BE eram belíssimas influências. Entrevistei os caras em maio de 2008, quando sequer haviam lançado o primeiro disco. De lá pra cá lançaram 2 álbuns: “In Between Dust Conditions”, ainda em 2008 e o fresquíssimo “Absentia”.
Ouvi o disco algumas vezes – soturno e fantasmagórico são adjetivos que caem bem, pra resumir – e finalmente pude conferir os caras ao vivo. Ainda que longe do habitat natural, tocando para um público diverso do costumeiro, Elson (baixo), Sachalf (guitarra), Jonnhy (bateria) e Lippaus (guitarra) ficaram alheios a qualquer coisa e mandaram 5 faixas que certamente chamaram a atenção tanto de quem conhece quanto dos desavisados ali presentes: “The Unsung Hero”, “Drug Induced-Inertia”, “Il Mafioso” e “300 Megaton-Lullaby”, do novo álbum, e “Walking The Valley”, a suíte master da banda.
Para quem é íntimo das distorções bem colocadas, do experimentalismo comedido que não cai em abusos, gerando uma música enxuta e envolvente, explorando o crescendo, a calmaria, a explosão e a criação de climas dentro do autêntico “noise melodioso”, é um deleite. Ao vivo, fica bem claro os três eixos da banda: a bagagem noise de Elson, a veia progressiva de Sachalf e a formação hardcore de Johnny, imprimindo muito punch – inteligente – na bateria. A adição de Lucas Lippaus (s.o.m.a, ex – Gray Strawberries) na segunda guitarra permite que a parede sonora criada em estúdio chegue completa e se intensifique.
“Unsung Hero” é a carta de intenções, enquanto “Drug-Induced Inertia” e “Il Mafioso” completam o clima pós-apocalíptico cinematográfico com talento incomum. “300 Megaton-Lullaby”, que ganhou clip recentemente, é a mais próxima de um pop palatável: experimentalismo para as massas. Seus vocais mezzo Sonic Youth mezzo Barret fazem ótimo uso do megafone, efeito que sempre cai bem quando bem utilizado. Pra fechar, “Walking The Valley”, a peça central do grupo (e não por acaso uma das melhores e mais completas) ganha improvisos e intervenções únicas, sempre variando de um show para outro. Certeza de impressão marcante em quem estava ali.
Entrevista – Elson Barbosa
Como está sendo a recepção do disco ao vivo até agora, de que maneira vocês se preocupam com a execução das músicas e como a entrada do Lucas na guitarra auxilia nesse processo?
A gente sempre percebeu que precisava de mais músicos no palco. Éramos 3 pessoas e só tínhamos 1 guitarrista e sempre usavámos muitos efeitos de guitarra e ao vivo ficava essa lacuna. Ou na melodia, no peso, ou na improvisação. O Lucas veio pra suprir isso. Já conheci o Lucas há bastante tempo, era fã da Gray Strawberries, sua banda anterior e acho que ele deu bastante certo.
Há mais de 1 ano já viemos tocando algumas do novo disco – como a Mafioso – mas este show foi o primeiro da nova formação, então ainda é cedo para falar da recepção exatamente. Ao vivo dificilmente improvisamos a estrutura da música, mas a parte de noise e efeitos é livre, cada um faz o que acha bacana fazer. Apesar da liberdade, somos bastante detalhistas quanto à execução das músicas.
Em estúdio, de que forma a concepção do disco foi trabalhada em os 3 integrantes? Que tipo de som e impacto vocês queriam atingir com ele, afinal?
Foi um disco que metade a gente já tinha pronto, então foi bastante natural na hora de gravar. Tínhamos ensaiado bastante e algumas outras foram compostas para o disco, até meio em cima da hora. Gravando a bateria e fechando os arranjos de músicas novas ao mesmo tempo. Decidimos transformar o disco em algo conceitual – absência, perdas, que são literamente o conceito chave dele. Mudamos inclusive títulos de música para encaixar no conceito. A Apprivoisé, que é a última do álbum, encaixamos ela no disco porque ela casava perfeitamente com a temática dele.
E sempre pensamos, desde o começo, em fazer o disco mais variado possível. Temos a Inertia, que é pesadona e curta, e outras como a – Deserts – que é mais soturna, lenta, calma. Gostamos de extremos. As vinhetas quebraram um pouco o padrão, soa bem no conjunto. A Unsung Hero, que consideramos a principal do álbum, que é mais épica, por exemplo, a partir dela pensamos em outras ideias para as outras músicas, no sentido de não repetir muito as estruturas, harmonias.
Gravei uma vinheta em casa, no piano, com noise, barulho normal da rua, avião passando, a execução foi espontânea, sem metrônomo, sem nada, a Vida Extinta. E outro lance que é legal falar – que tem a ver com a resenha que saiu na Rolling Stone – é atenção aos detalhes, cada barulho foi pensado, decidido. Tem um sample da “Au Clair de La Lune”, de 1860, que é a gravação mais antiga da história da humanidade. Tem um sampler da Long Player, que é a “música que dura mil anos”. Começou a ser tocada em 1 de janeiro de 2000 e acabará em 1 de janeiro de 3000. Centenas de sinos tibetanos, um algoritmo que trabalha a composição que se perpetua indefinidamente. Gravamos um trecho de 2 minutos de 21 de maio de 2010, 00:57.
Outra coisa que tem lá é uma citação ao John Cage, que é a “Tacet” (de 1952) baseada no silêncio, que consiste apenas no barulho ambiente gerado naturalmente. Então temos várias ideias no estúdio que acabam indo para o disco e para o show também. Faz parte do experimentalismo do estúdio. A “Absencia” por exemplo, que foram 5 minutos de noise livre em estúdio, foi inspirada num poema do William Burroughs com o Kurt Cobain fazendo barulho de fundo (The Priest They Called Him). Tenho várias referências e acabamos usando ao vivo também. Diálogos, livros, filmes, etc. Como um texto que fiz inspirado no Syd Barret (o “Madcap Laughs”, que estava ouvindo muito na época) e o Jonnhy usa ao vivo.
Tem-se a impressão que a música instrumental “alternativa” brasileira vem passando por um ótimo momento, com muitas bandas boas e espaços cada vez maiores, quanto disso é verdade e quanto é só impressão? Esta “cena” é unida e organizada?
Eu acho que estamos num bom momento sim, com muitas bandas instrumentais surgindo e tal. E acho que dois catalisadores disso foram o Festival PIB, focado em música instrumental, que começou em 2007, com boa repercussão de mídia. A segunda foi a criação da Sinewave, que o objetivo de criar o selo foi justamente agregar as bandas. Reuni-las num lugar só, focando esse público, criando uma cena, fortalecendo as próprias bandas, gerando mais oportunidades. E é por isso que eu não consigo ter respeito com alguém que pensa o contrário, tipo, “a minha banda é separada do resto e pronto e acabou”. Que é o contrário do que sempre pregamos. É o que todo mundo fala: a classe artística em geral é muito desunida. As discussões que aparecem, sempre tem gente que meio que não concorda com nada e tá lá só pra brigar, etc. Meu objetivo sempre foi juntar cada vez mais. Já fizemos 2 festivais e quero fazer mais 15 festivais. E por isso que não concordo com quem uma mentalidade egoísta e pequena.
Acho que a Sinewave atingiu as expectativas, mas tem muito para conquistar ainda. Vários blogs estrangeiros que acompanham a Sinewave me disseram “não sabia que tinha tantas bandas de post-rock boas no Brasil”. Então um dos objetivos foi atingido, que era mesmo dar visibilidade a esta cena, este movimento, as bandas. Mas tem muito ainda pra conquistar de mídia, de público, ainda que seja algo de nicho. É um nicho que, a princípio eu achava que nunca iria crescer. Mas comecei a mudar de opinião a partir do Macaco Bong, que ganhou o melhor disco do ano na Rolling Stone. E é uma música instrumental, experimental, meio torta. E isso deu um gás, uma ideia de que este nicho realmente pode atingir muito mais pessoas.
Nota-se que o aspecto visual – de vídeo, teaser, etc – tem sido bem explorado por vocês. Como isto funciona como extensão da música?
É tudo exercício da banda na verdade. O Sachalf tá estudando cinema, então acaba funcionando como um laboratório mesmo, uma extensão. O experimentalismo que temos em estúdio, ao vivo, etc, que eu vinha falando, também acaba caindo para o aspecto visual, que é bem importante.
httpv://www.youtube.com/watch?v=uTovuP8ihpk
O que a banda planeja para os próximos 6 meses? Tocar nos festivais independentes seria um objetivo? Como vê esse meio?
A gente quer rodar sim, já que o objetivo principal, afinal, é aumentar público. Vimos que tocando no Canadá, no começo do ano passado, que foi ótimo como experiência, mas o impacto de público foi pequeno. E o Festival Calango (em Cuiabá, Mato Grosso), que tocamos em 2009 também, deu muito mais retorno, de público e mídia, começamos a ser mais falados por aí. Objetivo a curto prazo é tocar o máximo possível mesmo, já temos 3 shows marcados para este ano e 1 pro início do ano que vem. E sempre estamos pensando em música nova, que vamos registrando e possivelmente devemos registrar um EP em 2011 assim que tivermos tempo.