O Massive Attack é, provavelmente, o grupo (ou “o” nome) da música eletrônica que mais ouvi na vida. Simples assim. Se é necessário introduzir a história deles aqui, basta dizer que em mais de 20 anos de carreira Robert “3D” Del Naja e Grant “Daddy G” Marshall sempre escolheram com precisão os convidados de cada disco, fundaram o trip-hop com o clássico instantâneo “Blue Lines” de 1991 e lançaram no mínimo outro clássico: “Mezzanine”, de 98. Nesse meio tempo produziram outros três discos muito bons, incluindo o recente “Heligoland”, que cresce absurdamente ao vivo, presente na turnê com impressionantes 6 músicas. Ainda tiveram tempo de lançar outras pérolas esporádicas, como a parceria com a lenda Mad Professor, cravar seu nome na cultura pop em diversos momentos (“Dissolved Girl” tem belíssima participação em Matrix, por exemplo) e virar ícone de uma geração.
Antes do show principal, Martina Topley Bird – vocal do Massive nesta turnê – fez uma abertura embasbacante de 30 minutos com seu trabalho solo, que já conta com 3 discos. Revelada em “Maxinquaye”, de Tricky, outro clássico do trip-hop, Martina abusa do carisma e da bela voz, mas vai além. Apresenta grande variedade de estruturas, intervenções e melodias. Começa com canções orientadas pelo piano e logo arrisca mais. Grava “samplers” ao vivo, reproduzidos dentro do restante da música. Percussão e alcance vocal variado fazem parte do pacote. Na última música Martina empunha até uma guitarra, fazendo um aquecimento muito melhor que a média.
O público mineiro num feriado acabou sendo bom pelo acesso facilitado, deixando a pista do Chevrolet Hall, inicialmente vazia, praticamente cheia, com algumas cadeiras na arquibancada ocupadas. Público naturalmente mais velho que o normal, maduro, prontos para ver pela primeira vez uma banda que com certeza os acompanha por boa parte da vida.
Na abertura, de cara o palco montado pela United Visual Artists, um coletivo de artistas britânicos, adiciona muito mais ao espetáculo. A grande tela horizontal de LED foi usada com inteligência incomum em projeções durante todo o show. E aqui cabe ressaltar o respeito e a também a peculiaridade do Massive em conceber algo voltado para a cultura do país em que visitam: frases famosas de jogadores de futebol, notícias inusitadas, números e mais números específicos sobre o Brasil, dados e provocações diversas, imagens, etc, eram jogadas a todo tempo na tela. Uma aula de como conceber um verdadeiro concerto.
Provando a força de “Heligoland”, a abertura veio nos 10 minutos de “United Snakes”. O suficiente para sentirmos uma banda afiada e o peso das duas baterias, guitarra, baixo, teclado, DJ, etc. “Babel”, também do atual disco, vem na sequencia e Martina reaparece, para delírio do público. Ao contrário de bandas que fazem uma “turnê de lançamento” na verdade voltada apenas para os clássicos, há de se admirar a coragem do Massive em apostar em “Heligoland”. Óbvio que público em lugar nenhum do mundo deve achar ruim ver um show só de hinos, ainda mais em lugares que quase nunca recebem a banda – como o Brasil – mas colocar 6 músicas do disco revela a confiança no próprio trabalho e a vontade de não ficar preso ao que já criaram. Quantos grupos com muito tempo de estrada tem essa postura? Pouquíssimos.
“Risingson” (de “Mezzanine”) foi o primeiro clássico. Catarse. “Futureproof” ficou entre “Girl, I Love You” (um dos exemplos de como conseguem manter a forma bem) e “Psyche”. E se o show já vinha num nível ótimo até ali, a partir do “segundo ato” a coisa tomaria níveis imensuráveis. Ou alguém aí passa incólume por uma sequencia de “Mezzanine”, “Teardrop” – literalmente tocante – “Angel” e a presença sempre mítica dos vocais e do estilo de Horace Andy, “Inertia Creeps”, com um punch extremo e “Safe From Harm”?
httpv://www.youtube.com/watch?v=O7CWmEhq82I
Se a alcunha de “inesquecível” já cabia ali, o bis veio com a inédita (nunca gravada em estúdio) “As You Were Leaving (Cheyenne)” e “Splitting The Atom”, o atual single, com pinta de se tornar um novo clássico pela forma como cresceu ao vivo e a capacidade de envolver o público em seu jogo de vocais e repetições. “Unfinished Sympathy” instaurou de vez a satisfação (eufemismo) e “Atlas Air” encerrou o bis.
Em êxtase, o público pedia mais, e ele chegou na versão estendida e generosa de “Karmacoma”. Experimentações e ecos de melodias vocais desconcertantes ainda ressoavam quando toda a trupe se despedia e deixava o público nas mãos após 2 horas de espetáculo. Um show que ficou acima da expectativa, de um grupo que tem seu próprio tempo, cheio de coragem para fazer o que quiser, sempre mantendo o nível lá em cima e que sabe explorar como poucos as possibilidades da música e do aspecto visual e sensitivo que vem com ela. Tomara que tenham gostado tanto quanto quem estava lá. Assim voltam muitas vezes. Estarei em todas.
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