Não sei que espécie de encanto fez de Joanna Newsom o exótico bicho de estimação da imprensa musical internacional, mas o fato é que Newsom foi abençoada com o sucesso – apesar de tudo.
A música que cai nas graças da imprensa musical (e falamos do que há nela de mais razoável) é usualmente aquela que tem ambas as mãos espalmadas: uma delas aberta à expressão musical propriamente dita, a outra aberta a algo como canções palatáveis, passíveis de tornarem-se vídeo clipes – aqueles que nossos olhos mal conseguem acompanhar, tal a velocidade e a pressa de sua edição.
As composições de Newsom, contudo, não oferecem qualquer recompensa ao ouvido apressado. Que apressado ouviria canções de onze ou mesmo dezesseis minutos de duração? Que “ouvinte visual” suporta debruçar-se sobre um disco triplo, tal como é Have One On Me?
É verdade que a face despretensiosa da técnica que envolve toda música popular pode fazer mesmo um bom ouvinte indispor-se com a música de Newsom. Seu timbre vocal , alto, por vezes “infantilizado”, pode afastar boas almas. A minha alma, de qualquer forma, não espanta. Ao contrário, vejo em seu timbre único (mais maduro neste disco, diga-se) um acréscimo à poesia de sua imaginativa música. Criando um belo mosaico.
Um tapete fantástico tecido com fios de diversos matizes: Temos lá o ar renascentista e britânico em sua harpa, assim como na estrutura de suas canções que são, em sua maioria, como baladas ou poemas trovados. Newsom, contudo, como uma das faixas de Have One On Me (In California) não nos deixa esquecer, é californiana e aprendeu um bocado com seu prévio produtor, a alma poético-musical da Califórnia, Van Dyke Parks. Ouvimos, assim, no disco constantes intervenções que nos remetem ao jazz (em Occident, por exemplo), ao country ou à música de vaudeville.
Em Have One On Me, Newsom investe ainda, de maneira bastante pertinente e delicada, em influências da música de distintas tradições: Na música da Europa Oriental (ouvimos, por exemplo, o kaval, instrumento de sopro búlgaro no álbum), do Oriente Médio (ouvimos no disco também o kemanche, espécie de cello de origem turca) e mesmo da África (Joanna, ela mesma, estudou academicamente a harpa malinesa, a kora, mas no disco o belo solo do instrumento em Go Long! fica a cargo de um músico contratado)
É com estas baladas frequentadas por uma procissão de “visitantes musicais” que Newsom dá vida aos seus longos poemas. Poemas, como não poderiam deixar de ser, escritos em uma linguagem bastante distinta. Por vezes, distinta ao ponto de tornar-se além da compreensão. Mas nem sempre é assim. O amor, fraternal, conjugal, materno, o grande tema lírico do disco, é tratado de maneira bastante bonita em textos como os de Easy, Esme ou 81’. As aliterações e os interessantes jogos de palavras, ademais, sempre soam interessantes – mesmo quando pouco compreensíveis em seu sentido simbólico.
Joanna Newsom pode estar estampada em revistas descoladas, pode gostar da moda (a moça, de fato, tem interesse pelo mundo fashion), porém sua música possui raízes profundas. É uma das coisas mais bonitas, sólidas e distintas que a música popular concebeu.